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O presidente Lula ao anunciar medidas de apoio ao Rio Grande do Sul: déficit do governo deve aumentar.
O presidente Lula ao anunciar medidas de apoio ao Rio Grande do Sul: déficit do governo deve aumentar.| Foto: André Borges/EFE

Com o governo gastando mais do que arrecada e pagando o maior volume de juros em sete anos, o rombo total das contas públicas brasileiras se aproxima dos recordes atingidos na pandemia de Covid-19. E o quadro tende a se agravar com as despesas necessárias para o socorro e a reconstrução do Rio Grande do Sul.

União, estados, municípios e estatais acumularam, em um ano, déficit nominal de R$ 999 bilhões. Esse foi o saldo das finanças dos governos após o pagamento dos juros da dívida. Os dados, atualizados até março, são do Banco Central.

O valor é ligeiramente mais baixo que o acumulado até fevereiro, de R$ 1,015 trilhão. Ainda assim, muito próximo do déficit nominal recorde de R$ 1,017 trilhão atingido em janeiro de 2021.

Mais de 90% desse rombo de quase R$ 1 trilhão se deve aos resultados de governo federal (déficit nominal de R$ 829 bilhões) e Banco Central (-R$ 87 bilhões). O restante vem de estados e municípios (-R$ 75 bilhões) e empresas estatais (-R$ 8 bilhões).

Na comparação com o tamanho da economia brasileira, o saldo das contas públicas está um pouco mais distante dos recordes negativos da pandemia. Mas nem por isso a situação é confortável.

Em março, o déficit nominal em 12 meses correspondeu a 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Em seu pior momento, durante a pandemia, o rombo passou meses acima de 13% do PIB, batendo em 13,5% em outubro de 2020.

Na relação com o PIB, o patamar atual é mais próximo do observado entre os anos de 2015 e 2017, quando ficou constantemente acima de 9%, chegando a 10,7% do PIB em janeiro de 2016. Até a pandemia, esse era o pior resultado da série histórica, iniciada em 2002.

Déficit nominal = déficit primário + juros

O resultado nominal do setor público depende de duas variáveis. A primeira é o resultado primário, isto é, a diferença entre as receitas e gastos do governo, sem contar os juros. A segunda são justamente os juros que incidem sobre a dívida, que variam conforme as taxas aplicadas (Selic e índices de preços, principalmente) e o tamanho do endividamento.

Na época da pandemia, a maior pressão vinha do resultado primário. Com os governos – em especial, o federal – gastando bilhões no enfrentamento do vírus, o país chegou a exibir déficit primário de R$ 703 bilhões no fim de 2020, o equivalente a 9,2% do PIB.

Na época, com a taxa básica de juros (Selic) reduzida a 2% ao ano para impedir um tombo maior da economia, a conta dos juros era mais suave – foram R$ 312 bilhões no ano de 2020, ou 4,1% do PIB.

Agora, em 2024, a maior pressão vem dos juros. Com a Selic em queda mas ainda acima de 10% ao ano, essa despesa somou R$ 746 bilhões em 12 meses até março, ou 6,8% do PIB. É um patamar que, antes, foi observado no primeiro mandato de Lula e também entre os anos de 2015 e 2017 – o pico foi de 9% do PIB gastos em juros no início de 2016.

Mas o resultado primário também é muito negativo. Em março, o déficit anual dessa conta foi de R$ 253 bilhões (2,3% do PIB). Essa foi a diferença entre o que o setor público arrecadou e o que gastou, antes dos juros. É um patamar que, sem contar o período da pandemia, se aproxima dos números de 2016 e 2017, quando os déficits primários passavam de 2% do PIB, com rombo recorde de 3% em setembro de 2016.

Sem economia para pagar juros, dívida sobe

Como o resultado primário é negativo e o gasto com juros é elevado, a dívida pública vai subindo. Ela aumentou mais de R$ 1,1 trilhão desde o fim de 2022, passando de 71,7% para 75,7% do PIB no último mês de março.

Já não havia perspectivas de contenção dessa dívida no curto e médio prazo, e o cenário deve piorar com a necessidade de apoio emergencial e posterior reconstrução do que foi destruído pelas cheias no Rio Grande do Sul.

A maior parte dos especialistas em contas públicas defende que o país volte a gerar superávits primários para conter a escalada da dívida. Para isso, é preciso que os governos – principalmente o federal – voltem a gastar menos do que arrecadam, de forma a amortecer o impacto dos juros.

Em 2005, no primeiro mandato de Lula, o setor público chegou a exibir superávit primário na casa dos 4% do PIB. Essa poupança permitia que, mesmo com juros nominais próximos de 7% do PIB, o déficit nominal das contas públicas ficasse em torno de 3% do PIB.

Mercado só vê retorno do superávit primário no próximo governo

A versão original do arcabouço fiscal, aprovada no ano passado, previa um discreto superávit primário federal de 2025 em diante, mas o objetivo foi revisado. Agora, a meta oficial é de resultado primário zero (nem déficit, nem superávit) em 2024 e 2025, com saldo positivo só em 2026.

O mercado financeiro é mais cético e acredita que a neutralidade será alcançada apenas em 2028 – ou seja, no próximo governo. Saldo positivo, só de 2029 em diante.

Para o resultado nominal, a perspectiva de bancos e consultorias é de que o déficit continue acima de 6% do PIB até o próximo ano e fique na casa de 5% até o início da próxima década.

Vale ressaltar que o mercado não pôs na ponta do lápis os gastos com o Rio Grande do Sul, que ainda são incertos. Quando isso ocorrer, a tendência é de piora nas estimativas. Por ora, os anúncios oficiais indicam uma despesa primária de ao menos R$ 12 bilhões no apoio ao estado, mas já há consultoria prevendo que tais gastos podem superar R$ 100 bilhões.

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