Cidades questionam aposta em veículos autônomos

Defensores do trânsito urbano temem que as esperanças nas novas tecnologias possam levar a um caminho errado

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Por Emily Badger
Atualização:

Veículos autônomos com desempenho superior ao dos ônibus, custo inferior ao do Uber e deslocamento mais rápido que o dos carros atualmente presos no trânsito estarão entre nós em questão de dois anos. Ou dez. Ou 30.

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Mas as visões do futuro que essas tecnologias podem trazer já entraram no debate público e nas decisões a respeito daquilo que as cidades devem construir hoje. Isso deixa enervados os planejadores urbanos e os defensores do transporte púbico, para quem esperanças irreais em relação aos carros autônomos (e quando eles chegarão às ruas) podem levar as empresas a apostar o presente em algo melhor que ainda não vimos.

"Eles atribuíram aos veículos autônomos a possibilidade de resolver todos os problemas já criados no transporte desde o início dos tempos", disse Beth Osborne, conselheira sênior de políticas do grupo Transportation for America. "Talvez isso seja um pouco irreal".

Aqueles que se opõem a grandes investimentos no transporte público argumentam que ônibus e trens logo parecerão antiquados. No Vale do Silício, os políticos dão a entender que algo melhor e mais barato está a caminho. E, num momento em que o metrô de Nova York precisa de reparos, os futuristas propuseram que os trilhos fossem asfaltados e convertidos em vias expressas subterrâneas.

Todos concordam que fazer as apostas erradas agora seria custoso. Alguns alertam que as cidades que abrirem mão do transporte público de massas agora vão se arrepender depois. Os defensores dos carros autônomos respondem que autoridades adeptas da "tecnologia do século 19" vão impedir a inovação e desperdiçar bilhões.

"É claro que haverá resistência", disse Brad Templeton, arquiteto de software do Vale do Silício que vê potencial nos "carros-robôs" - ele acredita que se a rede metroviária fosse asfaltada para os veículos autônomos, seriam transportadas mais pessoas do que em vagões. "Sempre encontro pessoas que, mesmo diante dos números e da eficiência, parecem acreditar que deve haver algo de puro e bom no transporte coletivo, que é tratado como a única resposta certa".

O conselho dele para as cidades: "Planos de infraestrutura para 2030 logo ficarão obsoletos".

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Para quem acredita que os carros autônomos vão concorrer com o transporte público em vez de complementá-lo, é interessante esperar mais um pouco. "É melhor não construir um sistema de VLT agora. Acredite", disse Frank Chen, sócio da empresa de investimentos Andreessen Horowitz. "Não entendemos a dinâmica econômica dos carros autônomos porque ainda não a vivenciamos. Vamos ver como as coisas funcionam".

Teoricamente, quando empresas como Uber e Lyft não precisarem mais pagar aos motoristas, as corridas podem se tornar tão baratas quanto uma passagem de ônibus. E, quando formam um comboio, os veículos autônomos conseguem obter mais capacidade e velocidade das estradas, diminuindo as vantagens dos trilhos.

Os tecnólogos também estabelecem uma analogia com a internet, uma infraestrutura que foi concebida para ser simples e uniforme, compatível com qualquer uso. A inteligência estava naquilo que foi construído na internet, e não na internet em si. Para as cidades, Templeton diz que isso deve significar "carros inteligentes e estradas burras". O asfalto deve se espalhar para que os inovadores projetem os veículos que correrão sobre ele. Por definição, disse ele, o trilho exclui todas as possibilidades além do trem.

Transporte autônomo da Universidade de Michigan em Ann Arbor, onde dois desses veículos já estão em funcionamento. Foto: Paul Sancya/Associated Press

Esta ideia contém o temor de que as cidades optem por preparar o futuro errado, ou que impeçam a chegada de ideias melhores. Elas podem apostar nos sistemas de compartilhamento de bicicletas, por exemplo, e acabarem surpreendidas pela chegada de motocicletas compartilhadas.

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"Imagino que, já em 2030, a maioria das secretarias de transporte público será de organizações zumbi que existirão principalmente para coletar impostos das pessoas e quitar a própria dívida", disse Randal O’Toole, pesquisador do Cato Institute que publica textos em seu blog sob a provocadora alcunha de "The Antiplanner" (Antiurbanista). Ele diz que, no momento, as cidades não deveriam investir novas somas em infraestrutura de transporte público.

Muitos dos potenciais benefícios dos carros autônomos só passarão a ser sentidos quando houver uma adoção em massa. Para Tina Quigley, administradora da Comissão Regional de Transportes Públicos do Sul de Nevada, não haverá espaço suficiente para que todos andem de carros autônomos nos corredores mais movimentados.

Atualmente, as estradas americanas são capazes de transportar aproximadamente 2 mil carros por pista por hora. Com os veículos autônomos, esse número pode aumentar em quatro vezes. Os melhores sistemas de transporte sobre trilhos podem transportar mais de 50 mil passageiros por trilho por hora. São os que transportam o maior número de pessoas e usam o menor espaço.

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"O problema da cidade é um problema de compartilhamento de espaço. Em 2100, o problema da cidade ainda será o compartilhamento do espaço", disse o consultor de transportes Jarrett Walker.

De acordo com essa lógica, as cidades deveriam investir ainda mais nos transportes ferroviários de alta capacidade e faixas exclusivas para ônibus nos principais corredores.

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Nenhum sistema de carros autônomos pode ser mais eficiente que o metrô de Nova York, segundo Andrew Salzberg, diretor de pesquisas e políticas de transporte do Uber. O Uber precisa desse sistema de transporte público, assim como vai precisar das motocicletas elétricas, das bicicletas e do preço mais caro cobrado na região central de Nova York usado para garantir que o transporte mais barato não resulte simplesmente em mais trânsito. 

A eficiência prometida pelos veículos autônomos é mais fácil de alcançar se forem compartilhados por um maior número de pessoas - que não devem usá-los para cada deslocamento que fazem.

Mas se as cidades escolherem apostar nesse futuro, os riscos são outros. Novas formas de transporte como Uber e Lyft são pesadamente subsidiadas pelo capital de investimento e, com isso, as cidades que nutrem a expectativa de ver os serviços privados tomando o lugar do transporte público acabam contando também com esses subsídios.

Elas estão apostando que os carros autônomos chegarão em breve, mudando a dinâmica econômica do transporte, antes que a paciência dos investidores se esgote.

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