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A economia brasileira está demorando tanto para se recuperar que empresas que negociaram suas dívidas há um ou dois anos já precisam voltar à mesa com os credores. Como todas as expectativas sobre o fim da crise se frustraram, a melhora financeira esperada por essas companhias não se concretizou, e elas se veem diante da necessidade de pedir mais prazo e menos juros aos bancos. Segundo projeção da consultoria Alvarez & Marsal, dos R$ 310 bilhões em débitos corporativos que foram renegociados até o fim de 2016, entre R$ 125 bilhões e R$ 150 bilhões terão de ser novamente reestruturados, o equivalente a até 48,3% do volume de dívidas. Dados os valores envolvidos, o problema pode dificultar ainda mais a retomada econômica.

"Se não houver bom senso de credores, gestores e agentes públicos, empresas que poderiam ser viáveis e gerar emprego e tributos podem se tornar inviáveis. Isso pode ter impacto macroeconômico e regional. Uma empresa média no interior, por exemplo, muitas vezes sustenta uma cidade e uma cadeia regional", ponderou Ivo Waisberg, sócio do escritório Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados e especialista em reestruturação.

Segundo Marcelo Gomes, sócio da Alvarez & Marsal, o cálculo foi feito com base em casos tratados pela consultoria e a partir de movimentações de mercado. A conta não considera os R$ 190 bilhões em dívidas que entraram em recuperação judicial nem os casos de Petrobras, Vale e Eletrobras, cujo tamanho das dívidas distorce a comparação.

"Lá atrás, muitas empresas renegociaram suas dívidas, sobretudo com os bancos, exigindo um período de carência que, na média, era de dois anos. Elas esperavam que o país sairia da crise em 2017. Os bancos também acreditavam nisso e, por isso, concederam esse prazo. O que ninguém esperava é que a crise econômica e política se arrastaria tanto", explicou Gomes.

A piora das expectativas foi intensa. Em meados de 2015, as projeções dos economistas chegaram a apontar crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos no país) de 2,1% este ano. Hoje, a estimativa, de acordo com a pesquisa Focus, do Banco Central, é de apenas 0,34%.

"Todos tinham na cabeça um prazo quase cabalístico de dois anos para que chegássemos à outra margem da crise. Mas era como se estivéssemos em Calais olhando para Dover, no outro lado do Canal da Mancha, mas houvesse uma enorme neblina. Então, na dúvida, apostava-se que alguma coisa aconteceria em dois anos", disse Renato Carvalho Franco, sócio da Íntegra, especializada em reestruturação de empresas.

Mais "compreensivos"

Para Waisberg, as reestruturações até foram feitas com premissas razoáveis, mas “o Brasil surpreendeu até os mais pessimistas e, no fundo do poço, tinha areia movediça.” Em 2016, o advogado participou de duas reestruturações que já haviam sido feitas, baseadas em projeções que se mostraram excessivamente otimistas. Agora, previu, os casos vão aparecer com mais frequência porque a maioria dos prazos de carência está se encerrando.

Hoje, as companhias voltam à mesa de negociação pedindo, na maioria dos casos, o alongamento do prazo de carência para 2019. Espera-se que, depois das eleições, o crescimento já tenha voltado, explicou Gomes. Uma novidade desse novo processo de renegociação é que muitas empresas estão sendo obrigadas a colocar ativos à venda.

Os especialistas não citam casos específicos devido ao sigilo profissional. Mas fontes do mercado apontam que algumas empresas já voltaram a renegociar débitos. Entre os setores mais vulneráveis estão os de açúcar e álcool, autopeças, cimento e óleo e gás.

Uma das empresas que está novamente em negociação é a Contax. No começo de 2016, a companhia de call centers reestruturou cerca de R$ 1,4 bilhão em dívidas e começou a focar no retorno ao lucro. Embora tenha conseguido obter lucro líquido de R$ 73,9 milhões no terceiro trimestre do ano passado, os dois trimestres posteriores somariam um prejuízo de cerca de R$ 100 milhões.

Em março, a Contax comunicou que estava avaliando “alternativas para fortalecer sua estrutura de capital, incluindo, mas não se limitando, a discussões com seus principais credores.” Entre os motivos citados estavam o cenário econômico, a redução de receitas após a venda de uma subsidiária, a falta de demanda em uma oferta de ações, em 2016, e a recuperação judicial da Oi, um dos seus principais clientes.

No fim de junho, a Contax anunciou que conseguiu que dois contratos de financiamento, originalmente fechados com o BNDES e somando R$ 150 milhões, fossem assumidos pelos bancos fiadores das operações. Agora, as instituições integram o grupo de credores diretos com os quais a Contax segue em negociação. Procurada, a empresa não quis comentar o caso.

Outra companhia que teria voltado a negociar com credores, segundo fontes, é a Log-In Logística. Em agosto do ano passado, a firma conseguira reestruturar R$ 426 milhões em dívidas com bancos. Procurada, a Log-In não quis comentar a situação.

A Cemig também voltou a negociar com credores. Desde 2015, a companhia tenta reduzir seu endividamento por meio de reperfilamento (juros menores na dívida existente) e venda de ativos, mas o plano não andou com a eficácia desejada. Agora, de acordo com fontes de mercado, a empresa está negociando com os bancos o alongamento dos débitos, além de tentar se desfazer de ativos importantes, como sua participação na carioca Light. Além disso, ainda trava disputa com a União para evitar o leilão de quatro usinas hidrelétricas. Procurada, a Cemig não comentou o assunto.

A nova rodada de reestruturação de dívidas não significa, necessariamente, que a situação das empresas piorou nos últimos dois anos. Na realidade, a capacidade média do caixa das companhias para fazer frente às dívidas de curto prazo tem se mantido praticamente estável desde 2015, segundo a Moody’s.

"Só que, quando se analisam esses números em detalhes, vemos uma diferença grande entre dois grupos de empresas. Aquelas com perfil de crédito mais fraco, mais dependentes da demanda doméstica e menores continuam apertadas. Não tem havido melhora na liquidez dessas companhias, e isso é um problema", afirmou Marianna Waltz, diretora-gerente para Ratings Corporativos na América Latina da Moody’s.

A necessidade de voltar à mesa de negociações será maior entre pequenas e médias empresas.

"As grandes empresas já fizeram sua lição de casa para alongar o perfil de sua dívida. A redução dos juros e a queda da inflação foram muitas vezes até mais importantes do que eventuais aumentos de receita em alguns casos", explicou Juliana Yokota, analista de Ratings da S&P Global Ratings.

A expectativa da agência de classificação de risco Fitch é que só haja uma retomada consistente da geração de caixa das empresas em 2018, e isso se o segundo semestre deste ano apresentar os dados positivos esperados. Mas há pelo menos um fator alentador para empresas em dificuldade: a quantidade de dinheiro disponível no mercado de capitais é muito maior do que há dois anos.

"O grau de liquidez no mercado está muito maior hoje do que lá atrás. Houve uma grande redução de juros combinada com uma inflação baixa. Dadas essas condições, os gestores de recursos estão buscando maior risco. Por isso, as captações e emissões de dívidas no mercado local estão crescendo e devem crescer ainda mais nos próximos meses", afirmou o diretor sênior de Ratings Corporativos da Fitch Ratings, Ricardo Carvalho.

Com a maior disponibilidade de recursos para captação, empresas e instituições brasileiras levantaram R$ 104,4 bilhões com emissões de ações e títulos de dívida no primeiro semestre do ano, 30% mais do que em igual período de 2016, mostra balanço da Anbima, associação que reúne instituições financeiras.

Paralelamente, observou Carvalho, os bancos estão mais dispostos a conceder prazo maior para rolagem:

"Embora os bancos estejam receosos em aumentar suas linhas de crédito, eles já conseguem ter maior visibilidade hoje sobre o momento em que o fluxo de caixa vai de fato voltar. E eles já estão entendendo que um prazo maior de rolagem se faz necessário, pois sabem que a probabilidade de as companhias pagarem lá na frente é grande", explicou, acrescentando: "A percepção agora é que é preciso dar as condições para que as empresas possam pagar, senão não funciona."

Terceira renegociação

Por isso, Carvalho prevê que os termos dos acordos devem envolver prazos maiores e custos menores:

"Outra novidade é que, há dois anos, muitas empresas que fizeram reestruturação estavam olhando apenas para a dívida e optaram por não promover mudanças em suas operações. Agora, elas estão cientes de que isso é necessário."

Mas Renato Carvalho, da Íntegra, observou que muitas vezes os bancos já antecipam que uma outra negociação será necessária lá na frente:

"Os bancos estão dizendo “vamos fechar negócio porque está difícil para você cumprir; depois a gente discute”. Muitos já estão fazendo a renegociação pensando que, daqui a dois, três anos, possam ter que negociar pela terceira vez."

É comum que os bancos aceitem reestruturações do tipo “balão”, que deixam uma parcela grande do valor devido para o último ano do contrato, explicou Ivo Waisberg. O objetivo é dar mais tempo para que a empresa recobre o fôlego, mas muitas vezes o banco já sabe desde o princípio que a última parcela terá de ser renegociada.