06/11/2014 07h34 - Atualizado em 06/11/2014 10h36

Seis anos após CPI, deputado diz que pouco foi feito no combate a milícias

Presidente de CPI garante que apenas prisões não resolvem o problema.
Beltrame diz ter criado núcleo específico de enfrentamento ao crime.

Janaína CarvalhoDo G1 Rio

Deputado Marcelo Freixo presidiu a CPI das Milícias na Alerj em 2008 (Foto: Janaína Carvalho / G1)Deputado Marcelo Freixo presidiu a CPI das Milícias na Alerj em 2008 (Foto: Janaína Carvalho / G1)

Seis anos após a conclusão do relatório final da CPI das Milícias, que indiciou mais de 200 pessoas, poucas medidas foram adotadas pelas autoridades para prevenir a expansão e a atuação desses grupos criminosos no estado do Rio de Janeiro, segundo o deputado estadual Marcelo Freixo, que presidiu os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito em 2008.

“Dá uma frustação grande, pois muito mais poderia ter sido feito e não foi. E não é por descuido, é por falta de vontade política. A milícia representa voto para muita gente, não só para os milicianos. A moeda de troca deles é a eleição”, garantiu Freixo.

Segundo Freixo, para coibir a atuação e o crescimento desses grupos, é fundamental retirar o seu poder econômico, territorial e eleitoral, o que não foi feito. Desde a conclusão do relatório, o deputado garante que poucas medidas foram adotadas, restringindo-se às prisões de líderes de uma das maiores organizações no estado, inclusive de políticos, e a tipificação de milícia como crime no Código Penal.

“É preciso tirar a fonte de poder deles. Enquanto não fizer isso, a milícia vai continuar crescendo. Você pode prender todo mundo, mas se a fonte de lucro estiver mantida, eles continuam mandando de dentro da prisão”, explica o deputado.

O parlamentar, no entanto, destaca que a CPI teve um papel muito importante e garante ter sido um “divisor de águas” por ter mudado o conceito de milícia. Para ele, antes da criação da comissão, as milícias contavam com uma certa aceitação da sociedade e do poder público.

Ex-deputado Natalino Guimarães (Foto: Reprodução / TV Globo)Ex-deputado Natalino Guimarães (Foto: Reprodução/TV Globo)

“Naquela época, existia o discurso de mal menor. Eles usam o seu emblema de agente público para falar em nome da ordem. Só que isso era acompanhado dos seus negócios e de uma ação que não é nada legal, como a prática de homicídios, violência, tortura e desaparecimentos”, afirmou Freixo, lembrando que líderes da milícia conhecida como "Liga da Justiça", uma das mais atuantes na Zona Oeste do Rio, chegaram a ocupar cargos políticos. Em 2004, Jerominho foi eleito vereador e, em 2006, seu irmão, Natalino Guimarães, passou a ocupar uma das cadeiras da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Integração das forças
De acordo com Marcelo Freixo, é necessária uma integração de forças de segurança para combater as milícias, já que os grupos reúnem integrantes de instituições militares, como Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar. A medida número 11, das 58 que foram propostas pela CPI, pediu a criação de uma Câmara de Repressão ao Crime Organizado que envolvesse órgãos especializados da Polícia Civil, do Ministério Público, do Judiciário e de outras esferas, mas não foi implementada.

“É preciso ter fiscalização do domínio territorial deles, uma investigação de inteligência. Você não vai encontrar um miliciano trocando tiro com a polícia, nem vai prender o miliciano em flagrante. Se não tiver um serviço de inteligência para identificar dentro dos setores da segurança quem é miliciano, quem não é, se avança muito pouco”, afirmou Freixo.

Domínio de serviços
Nas áreas onde atuam, as milícias dominam diversos serviços oferecidos à população, como TV a cabo, venda de gás e transporte complementar. Para Freixo, o estado deveria reforçar a fiscalização do transporte feito por vans a exemplo do que vem sendo feito pelo município.

“É preciso legalizar e tirar o poder das cooperativas de vans sobre os motoristas e fazer fiscalização permanente. A van precisa ser transporte alternativo e não exclusivo, como é em alguns lugares”, afirma o parlamentar. No que diz respeito à TV a cabo, Freixo ressalta que é preciso oferecer entretenimento para as comunidades a fim de que os moradores não recorram ao uso do serviço clandestino, chamado popularmente de “gatonet”.

Freixo critica a forma como tem sido conduzido o combate às milícias no estado. “Não há sobre milícia uma política de enfrentamento que vá além das prisões dos seus líderes. Sempre que o governo fala de milícia ele fala de prisões. Mas quantos territórios de milícia foram retomados? A milícia diminuiu? O número de milicianos diminuiu? As vítimas da milícia diminuíram? Não”, atacou Freixo.

O parlamentar ressaltou que a Delegacia de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) faz um ótimo trabalho, mas é apenas uma frente de combate a uma atividade criminosa que cresce cada vez mais no Rio de Janeiro. De acordo com reportagem publicada pelo jornal O Globo, em setembro deste ano, o número de milícias atuando no estado aumentou 115,2% nos últimos seis anos.

A proposta de criação da CPI foi feita em fevereiro de 2007, mas sua criação foi aprovada apenas em junho de 2008, logo após uma equipe de reportagem do jornal O Dia ter sido sequestrada e barbaramente torturada por milicianos da favela do Batan, na Zona Oeste do Rio, onde atualmente há uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O relatório final da comissão foi concluído em novembro de 2008 e aprovado por unanimidade com 56 votos no mês seguinte na Alerj.

“O fato é que enquanto os atingidos foram só os moradores de lá, isso não sensibilizou parte da sociedade, nem da imprensa. E eu tinha uma CPI pedida aqui há quase um ano e meio”, diz Freixo, lembrando que, em função disso, a comissão foi acompanhada de perto pela imprensa, ganhou autonomia e força política.

Núcleo de combate à milícia
A Secretaria de Segurança do Rio (Seseg) afirma que adotou medidas de enfrentamento a essa atividade criminosa e, inclusive, criou um núcleo específico de combate à milícia na Polícia Civil.

Secretário de Segurança Pública do Rio espera instalar mais de 40 UPPs até o final de 2014 (Foto: Janaína Carvalho / G1)Secretário garante estar trabalhando dentro do que a CPI propôs  (Foto: Janaína Carvalho / G1)

“Com a chegada do delegado Fernando Veloso à Chefia de Polícia Civil criamos também um núcleo especifico de combate à milícia que queremos manter sem muita divulgação para que esses policiais fiquem protegidos. Eu tenho plena consciência que estamos trabalhando dentro do que a CPI propôs. Eu sempre disse e repito que não é fácil de se combater porque a milícia é composta por policiais e isso dificulta mais nosso trabalho”, afirmou Beltrame.

Sobre a inclusão do crime de milícia no Código Penal Brasileiro, Beltrame garante que o governo do Rio teve participação ativa nesse processo.

“O policial para trabalhar precisa de um horizonte, e esse horizonte do policial é a lei. Os grupos de milícia adquiriram uma estrutura muito grande devido à inercia de governo anteriores. Entendo de uma maneira muito tranquila que a Secretaria de Segurança fez e vai continuar fazendo a sua parte”, garantiu o secretário, ressaltando que a Corregedoria Geral Unificada é independente e chefiada por desembargador aposentado do Tribunal de Justiça.

O secretário propõe que algumas medidas sejam revistas como a proteção das pessoas que testemunham contra a milícia. Por se tratar de uma organização criminosa que tem a presença de policiais, é difícil conseguir testemunhas e manter a integridade física das mesmas.

“Os milicianos exterminam as testemunhas. Temos caso de uma milícia, atuante em Duque de Caxias [Baixada Fluminense], que agiu dessa forma e a única testemunha que está viva é o delegado. Precisamos criar um mecanismo de proteção para essas testemunhas que funcione”, afirmou Beltrame, lembrando a morte de cinco das seis testemunhas que depuseram contra uma das milícias mais violentas do Estado. O único sobrevivente foi o delegado Alexandre Capote, titular da Draco.

Milicianos na política
Apesar de não ter mais seus líderes se candidatando a cargos políticos, nessas eleições, a milícia continuou tentando eleger seus candidatos, segundo Marcelo Freixo. Para ele, foi fácil identificar quais foram os candidatos que receberam o apoio de milicianor. “Bastava observar quais foram as placas que mais se via em regiões como Rio das Pedras, Gardênia Azul, Campo Grande e outras locais de atuação deles”, garantiu o deputado.

No entanto, a própria população passou a ver as milícias com olhos diferentes nos últimos anos. “Porque eu fui um dos mais votados em várias áreas dominadas por eles? Quando um morador de área de milícia vai na urna e vota em mim, ele está dando um recado. Ele nunca me viu, ele nunca esteve comigo, mesmo porque nem pode, mas na hora do voto ele vota em mim”, frisou.

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