Ciência e Saúde

Pássaro usa plástico branco no ninho para marcar território e evitar briga

Intrigado por que os pássaros milhafres-pretos usam peças de plástico branco para enfeitar seu ninhos, cientista espanhol estuda os animais e conclui que o comportamento busca avisar a outros exemplares da espécie que o território já tem dono e, assim, evitar confrontos

Paloma Oliveto
postado em 21/01/2011 08:00
Os milhafres-pretos escolhem plásticos brancos para  adornar os ninhos porque o material é mais reluzente e pode ser facilmente identificado por outros pássaros da mesma espécieDe plástico em plástico, o milhafre-preto constrói seu ninho. Esse pássaro, o Milvus migrans, é uma ave de rapina que vive em praticamente todos os continentes, menos na América, e tem uma característica bastante peculiar. Vinte dias antes de a fêmea colocar os ovos, ela e seu parceiro saem em busca de pedaços de plástico para decorar o ;lar;. Não serve pedra nem qualquer outro material. E, ao contrário de outras aves que ornamentam os ninhos com objetos coloridos, para o milhafre-preto só serve um tom: o branco reluzente.

O comportamento singular atraiu a atenção de Fabrizio Sergio, pesquisador espanhol do Departamento de Conservação Biológica da Estação de Doñana, em Sevilha. Em um artigo publicado na edição de ontem da revista especializada Science, ele explica que, geralmente, as aves utilizam características físicas para demonstrar suas qualidades superiores aos rivais, como uma plumagem chamativa. No caso do milhafre-preto, porém, o chamariz é externo. É com sua casa decorada que ele demarca território, como uma espécie de aviso: ;Se entrar aqui, a briga é certa;.

Outros pássaros são conhecidos por construir ou ornamentar ninhos, como o brasileiro joão-de-barro (Furnarius rufus), que faz sua casinha em formato de forno, ou o pássaro-arquiteto (Ptilonorhynchus violaceus), que constrói e decora caramanchões. Em entrevista ao Correio, Sergio explica que a motivação desses animais, geralmente, está associada à sedução da fêmea: as aves munem-se de pedras e vidros coloridos para atrair a companheira. Com o milhafre-preto, no entanto, é diferente. Ele só começa a ornamentar o ninho na época da nidificação, e com a ajuda da fêmea. A preferência pelo plástico branco tem uma explicação lógica. De acordo com Sergio, o material demora a se degradar, evitando que o pássaro perca tempo no caso de precisar refazer a decoração. Já o branco facilita a visualização. Em contraste com as cores escuras dos troncos de árvore, o tom alvo reluz e pode ser avistado de longe por outros exemplares da mesma espécie.

;É importante lembrar que eles são aves de rapina, então possuem garras afiadas e podem machucar uns aos outros durante as brigas. Por isso, podem querer um sinal que seja visível de muito longe, de forma que os intrusos consigam avistá-lo e evitar certos ninhos antes de serem atacados pelos donos dos territórios;, explica o biólogo. Apesar de dizer que não é muito familiarizado com o joão-de-barro, o pesquisador afirma que é possível que pássaros tropicais tenham comportamentos semelhantes aos do milhafres-pretos, de defesa de suas ;casas;. ;Espero que nosso estudo estimule os pesquisadores brasileiros a investigar esse caso específico;, diz.

Funções compartilhadas
A pesquisa de Sergio foi feita no Parque Nacional de Doñana, na região de Andaluzia. A equipe do biólogo monitorou 127 ninhos de pássaros identificados com plaquetas e com idades entre 1 e 25 anos. Em 77% dos casos, os ninhos foram decorados nos 20 dias que antecediam o nascimento dos fihotes. A tarefa não é exclusiva dos machos, que contam com a ajuda das fêmeas para recolher plásticos e adornar a ;casa;.

Os pesquisadores observaram que o nível de decoração do ninho aumenta quando o pássaro tem de 10 a 12 anos de idade e, depois disso, passa a decrescer. Os muito jovens também não mostram interesse pelos ornamentos, o que reforça a tese de que a estratégia está diretamente associada à proteção dos ovos. Quanto mais decorado o ninho, maior a taxa de sobrevivência dos milhafres-pretos, sugerindo que esses pássaros conseguem atingir seu objetivo, evitando brigas graças ao aviso emitido aos pretensos intrusos.

Uma das características que mais intrigaram a equipe de Sergio foi a ;honestidade; dos pássaros. Os cientistas colocaram plásticos brancos em ninhos vazios para checar a resposta das aves. Os animais jovens e velhos, que não se encontram na fase reprodutiva, prontamente tiraram tudo do lugar. Foi uma forma de assumir aos outros indivíduos da espécie que não estão em condições de enfrentá-los. É como se as aves tivessem se recusado a enganar as demais. Já os pássaros no auge da idade mostraram um comportamento diferente. Aceitaram de bom grado a oferta e aproveitaram o material ofertado na ornamentação do ninho.

Entrevista // Fabrizio Sergio

Principal autor do artigo publicado na Science e líder da equipe de pesquisadores que estudou o comportamento dos milhafres-pretos residentes no Parque Nacional de Doñana, o biólogo Fabrizio Sergio diz que, até agora, há poucos estudos que procuram desvendar a motivação de pássaros que decoram seus ninhos. Ele conta que ficou muito empolgado ao descobrir que aves impedidas de lutar devido à idade preferem ficar desprotegidas a enganar as outras. "Esses indivíduos não trapaceiam", diz. Para Sergio, embora seja necessário fazer uma pesquisa específica sobre o assunto, é bastante provável que, assim como os humanos, os pássaros também tenham uma noção de estética e cultura.
(PO)

Pode-se estender os resultados do estudo a todos os pássaros que costumam decorar seus ninhos?

Nossa impressão é que muitos outros pássaros provavelmente decoram seus ninhos também como um sinal para outros indivíduos da mesma espécie. Claro que cada caso deve ser apropriadamente investigado antes de se alegar que a decoração é um sinal. Por exemplo, a gralha-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula) geralmente coloca ornamentos coloridos na entrada do buraco do ninho. Eu não ficaria surpreso se esse fosse um sinal similar ao do pássaro que estudamos, mas essa função jamais foi investigada, então continua como uma simples hipótese.

Por que o milhafre-preto (Milvus migrans) evita outros materiais e cores?

Acreditamos que eles efetivamente procuram por materiais que podem ser visto de muito longe, e o plástico branco, que é reluzente, é um material ideal nesse sentido, porque contrasta com o fundo escuro da folhagem e dos troncos. Cores escuras e outros materiais que se deterioram rapidamente, como o papel, que teriam de ser recoletados constantemente, não ofereceriam uma visão tão clara de muito longe e os pássaros perderiam muito tempo procurando por eles. Enquanto isso, pedaços de plástico podem durar por quase toda a época de reprodução e só precisam ser buscados uma vez.

Até agora, o que se sabia sobre esse comportamento, de decorar ninhos?

A maior parte dos cientistas estuda a estrutura erguida por certas espécies de pássaros, como o pássaro-arquiteto (Ptilonorhynchus violaceus), para seduzir. Por exemplo, o pássaro-arquiteto macho constrói um tipo de muro decorado, o caramanchão, que funciona para atrair fêmeas. Pouco se sabia até agora sobre a decoração de ninhos. Há muitos registros sobre ninhos decorados em quase todos os livros de história natural, mas pouquíssimos estudos investigam sua verdadeira função. Um desses casos é o do passarinho chasco-preto (Oenanthe leucura), que pega algumas pedras e as coloca perto do ninho. Novamente, interpreta-se o ato como uma forma de seduzir a fêmea, à medida que o macho mostra a ela o quão p oderoso ele é e como são bons os genes que ele possui.

É correto pensar que os pássaros têm algum tipo de percepção estética?

Eles provavelmente têm, mas, no caso do nosso estudo, não fizemos testes que pudessem quantificar isso. Mas trabalhos com o chasco-preto já mostraram que eles exibem o que os cientistas chamam de tradição e cultura local, com certos materiais e cores preferidos em algumas populações, mas não em todas da mesma espécie. Isso se aproxima de uma convenção do que é uma decoração bonita e atrativa, e o que não é.

O senhor poderia explicar o comportamento honesto que os pássaros apresentaram, ao recusar os plásticos que os pesquisadores adicionaram a seus ninhos?

Ficamos muito empolgados com essa descoberta. O fato mais interessante é que alguns indivíduos ficaram felizes de termos decorado seus ninhos "de graça", enquanto que outros imediatamente arrancaram nossa decoração. Esses últimos eram muito jovens ou muito velhos, enquanto que aqueles que aceitaram a decoração que colocamos eram indivíduos de alta qualidade, na aurora da idade. O importante aqui é que a decoração do ninho implica "contar" a todo o mundo que você é proprietário de um bom território e que isso fará seu "lar" agradável a muitos outros indivíduos, que podem então atacar você e tomar seu território. Apenas bons lutadores conseguem ir em frente com esse teste social, enquanto que indivíduos muito jovens ou muito velhos preferem ficar longe de problemas e manter seus ninhos sem decoração para evitar atrair intrusos que não são capazes de repelir. Esse mecanismo, que é geralmente chamado de "punição social", mostra que esses indivíduos não trapaceiam.

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