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'Marias', as mulheres transfiguradas de Graça Morais, vão a Paris

A artista Graça Morais levou as suas 'Marias' - descritas como "pietás do século XXI" e desenhadas como mulheres-gafanhoto, mulheres-carneiro e mulheres-tigre - à Gulbenkian de Paris, numa exposição concebida a partir da sua ligação com a literatura.

'Marias', as mulheres transfiguradas de Graça Morais, vão a Paris
Notícias ao Minuto

16:31 - 30/05/17 por Lusa

Cultura Exposição

"Graça Morais. La violence et la grâce [A violência e a graça]" abre as portas ao público esta quarta-feira e vai estar patente até 27 de agosto, centrando-se no tema da mulher e das suas metamorfoses enquanto espelho dos tempos que correm e declinando-se em muitos desenhos em papel e um desenho sobre tela.

"É a mulher e é a condição humana ligada a vidas difíceis, dramáticas e a esta situação que existe qualquer coisa nos tempos que nós vivemos muito ligados à barbárie, à ameaça e situações dramáticas de que os inocentes são vítimas. Com a minha pintura eu quero apresentar aquilo que eu sinto mas, ao mesmo tempo, é uma reflexão sobre o meu tempo", explicou à Lusa Graça Morais.

Graça Morais afirmou que "nesta exposição podem-se ver mulheres, bichos, carneiros, perdizes, cães, alguns elementos vegetais", mas descreve-se como "uma pintora do ser humano" que desenha "um mundo transfigurado" a partir de dramas com pessoas próximas e outros mais longínquos como a fuga dos refugiados.

"Desde sempre olhei para a condição humana e, nos últimos anos, desde 2011, as minhas obras - algumas aqui expostas - são uma grande reflexão sobre a grande barbárie, os grandes dramas e a minha pintura é a luta contra essa maldade (...). Através da arte eu sinto que me liberto (...) Eu falo desse mundo mas há sempre uma esperança na minha pintura", descreveu.

A exposição apresenta vários desenhos das séries "Sombras do Medo" e "Caminhada do Medo", de 2012, feitas a partir de "um olhar sobre o mundo", nomeadamente após a Primavera Árabe, ilustrando o êxodo de refugiados, situações de guerra e de abandono, em que os heróis são mulheres, "as pietás do século XXI".

"São as pietás que vemos na televisão e nos jornais, em que eu admiro a coragem de pessoas que vão ao inferno buscar outras. Pessoas comuns quando há cenas de terrorismo, de guerra ou de cataclismos, elas vão ao inferno buscar outras pessoas. São heróis", descreveu durante a visita guiada à imprensa, que teve lugar hoje.

Graça Morais soltou um desabafo mediante o desenho-pintura "As Sombras do Medo" (2012) onde se vê "talvez um autorretrato", dizendo que "é muito difícil que o trabalho de uma mulher quando interroga coisas seja aceite", mas considerando que "neste momento foi aceite".

Questionada pela Lusa sobre o significado dessa afirmação, a artista explicou que "apesar de no século XXI haver muita mulher a pintar, os homens continuam a ser eles que atingem os máximos de vendas" e "entre uma mulher e um homem escolhe-se um homem para representar Portugal", ainda que tenha ressalvado que representou o país na Bienal de São Paulo em 1985.

A ligação da obra de Graça Morais com a literatura é outra das linhas de força da exposição, com a apresentação, por exemplo, de trabalhos da série "Orfeu e Eurídice" (1990) onde além dos desenhos a tinta-da-china, sépia e acrílico sobre partições musicais, há poemas manuscritos de Sophia de Mello Breyner Andresen.

Há, também, vários desenhos das séries "As Metamorfoses" (2000 e 2001) que ilustraram um livro de Agustina Bessa-Luís com o mesmo título - e que acaba de ser editado em francês - e obras da série "Diário com perdiz", um diário íntimo com impressões manuscritas ao lado de retratos fugazes de perdizes antropomórficas.

"A vastidão de escritores que se interessaram pela obra da Graça não é por acaso. Eles encontraram na obra da artista uma singularidade iconográfica e identitária que é difícil de encontrar, que é rara. Uma identidade muito forte, muito pessoal, que tem a ver com o lugar de origem da artista que é o norte de Portugal, Trás-os-Montes, uma zona muito forte do ponto de vista mitológico, quase arcádico", acrescentou a também comissária desta exposição Helena de Freitas.

Entre 1976 e 1979, devido a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, Graça Morais viveu em Paris, uma cidade que tem "necessidade de visitar pela sua oferta cultural", considerando esta exposição como um "retorno": "É uma oferta da minha parte sobre aquilo que eu também recebi ao visitar esta cidade. É uma dádiva a Paris e às pessoas."

A 06 e 07 de junho, a delegação francesa da Fundação Calouste Gulbenkian vai realizar um colóquio internacional intitulado "Graça Morais. O mito e a metamorfose" que vai reunir vários especialistas na sua obra.

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