Nem mesmo uma viagem ao espaço sideral, habitado por encouraçados dignos de "Star Wars" e tiroteios em gravidade zero, foi capaz de levar a franquia multimilionária de games de tiro "Call of Duty" para... o futuro. É preciso perdoar o trocadilho, mas a série da Activision não parece perceber que parou no tempo.
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Antes de mais nada, que a justiça seja feita. O recém-lançado "Call of Duty: Infinite Warfare" foi violentamente julgado pelo tribunal da internet na época de seu primeiro trailer, e o júri errou feio. O novo game, desenvolvido pela Infinity Ward, criadora do clássico "Call of Duty 4: Modern Warfare", tem a melhor história da série nos últimos anos, quando passou a explorar com dedicação diversos cenários relacionados ao futuro da humanidade e suas guerras.
A ida ao espaço de um jogo que começou como um retrato da 2ª Guerra Mundial, e a inclusão de batalhas entre caças de combate ultramodernos, parece absurda. Eu entendo. Mas é nessa guerra nas estrelas que "Call of Duty" consegue recuperar a verossimilhança e a emoção que tem faltado tanto à franquia.
Enigma do horizonte
O jogador encara o papel do capitão Reyes, um soldado que repentinamente precisa assumir o comando de uma das últimas aeronaves do exército da Terra. A ameaça em questão é a força extremista SDF, que foi criada para colonizar planetas distantes, mas se rebela sob a liderança do almirante Salen Kotch – uma atuação esquecível do astro Kit Harington, da série "Game of Thrones".
A missão impossível de Reyes ajuda "Infinite Warfare" a resgatar valores tradicionais de "Call of Duty", como sacrifício, honra e camaradagem, e que acabaram se perdendo ao longo do tempo em meio a conspirações "sci-fi" de 50 centavos e outras crises menos elegantes. Reyes é um líder tradicional numa batalha clássica entre o bem e o mal. É bom pensar em um "menos é mais" se as suas histórias, mesmo transbordando de informações, não conseguem criar nenhuma intimidade com a matéria.
Personagens como Nora Salter e o robô Ethan têm tempo suficiente para desenvolverem sua personalidade e criarem elos afetivos com o jogador, a ponto de você realmente se importar se eles vivem ou morrem. E a trama no geral traz a tensão, o horror da guerra e o sangue nos olhos que tanto impressiona (e deixa marcas) nas boas histórias de "Call of Duty".
Já a mudança do campo de batalha para cinturões de asteróides e órbitas de planetas injeta paisagens e situações inéditas que são bem-vindas. Os tiroteios em gravidade zero divertem, apesar de alguma dificuldade em manter a orientação correta. E armas secundárias como as granadas anti-gravidade (que suspendem os inimigos no ar por alguns segundos) e seeker (uma aranha robótica que caça um adversário e se gruda nele até explodir) são boas ideias para os momentos de pega pra capar.
Tropas estelares
Essas são algumas das características que fazem o cenário de "Infinite Warfare" ser genuíno e ter personalidade. Ao mesmo tempo, Activision e Infinity Ward ainda se prendem a algumas convenções ultrapassadas de jogos "Call of Duty", insistindo em um game design de fases que subutiliza todas as habilidades do jogador.
É de cair o queixo (para não dizer outra coisa) ver que, em pleno 2016, um game do pedigree de "Infinite Warfare" ainda mantenha missões no formato de "corredor": o jogador avança em linha reta, enfrenta ondas de inimigos infinitas – até atingir um ponto específico do mapa em que o jogo salva seu progresso – e completa seu objetivo.
E não é como se você pudesse andar em linha reta com criatividade. Os soldados de "Infinite Warfare" até podem usar pulos duplos e andar pelas paredes, mas os espaços para isso são raros. Se você gosta de jogar nos níveis altos de dificuldade, uma tradição dos veteranos de "Call of Duty", é o mesmo esquema de sempre: apareça, dê uns tiros, solte umas granadas, e volte para se curar caso ainda não seja possível avançar. Depois repita. O jogo todo.
É difícil de engolir uma fórmula batida como essa sendo repetida há pelo menos 9 anos, data em que surgiu o influente "Modern Warfare". Ainda mais quando se tem um concorrente de peso como "Titanfall 2", desenvolvido pelos criadores originais de "Call of Duty", lançado há poucas semanas. Leia a crítica do G1.
As batalhas com as aeronaves "jackals" não têm o nível de profundidade de um game como "Ace Combat", mas são legais – no começo, porque logo começam a se repetir e se tornam previsíveis. Enfrente os caças, destrua as naves maiores, fim de papo.
Por conta disso tudo, a boa trama de "Infinite Warfare", que tenta dar um ar sofisticado à série, acaba soterrada debaixo das mesmas convenções de sempre. Vou me lembrar de "Infinite Warfare" com carinho? Provavelmente. E isso mostra a força de um game "Call of Duty". Mas há aqui material para romper esse casulo.
Passada a campanha (ou não), cabe ao jogador tentar criar boas memórias no multiplayer, que está cada vez mais áspero e inóspito para os marinheiros de primeira viagem – outra decisão inexplicável em um cenário onde games fáceis de jogar, mas difíceis de dominar, têm reinado. Ou no modo Zumbi, que está ultrapassando todos os limites do "kitsch" de mal gosto.
É difícil dizer isso, mas, perto de "Titanfall 2", "Infinite Warfare" parece um trabalho de faculdade em termos de colocar o jogador em todo tipo de situação e exigir dele o seu melhor. O novo "Call of Duty" é o melhor de sua linhagem dos últimos anos. Mas se você está atrás de uma experiência nova de verdade, fique com o duelo de titãs.