Beltrame: Um homem de palavras. Repetidas

Cecília Olliveira
5 min readMay 15, 2016

Esta semana o Jornal Extra publicou uma capa excelente. Didática, a capa trouxe uma foto tirada no Complexo do Alemão. Na imagem, um memorial às vítimas da violência policial na favela, com destaque para o luto de Terezinha Maria de Jesus, 36 anos, mãe do menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, morto em abril deste ano.

Os cartazes foram afixados na manhã do dia 09 de maio por moradores que protestavam contra a morte de Elaine Cristina de Souza, 35 anos no sábado (7). No mesmo dia o soldado Erik Pontes, 33 anos foi baleado na Chatuba. Pode-se notar que o local também foi estratégico. No dia 23 de abril o mototaxista Agnaldo José do Nascimento, de 36 anos, conhecido como Sherek, foi baleado na localidade da Fazendinha, no Beco da Claro e morreu. Em 2014 o mototaxista Caio Moraes da Silva foi assassinado aos 20 anos por um tiro no peito, no mesmo conjunto de favelas, por um policial militar da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Nova Brasília, segundo o Ministério Público.

Mas a capa do Extra merece destaque pela fala repetitiva do Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Pela quarta vez Beltrame prometeu a criação de um grupamento de PMs em motos. E então me lembrei que ele sempre diz também que "só polícia não resolve o problema da criminalidade". Alguns exemplos:

2010

2014

2015

2016

Destaco aqui trecho de uma matéria publicada em janeiro de 2009, onde mais uma vez repete o que já foi exaustivamente dito e explica os "danos colaterais".

“Nós não estamos preocupados em retirar um traficante ou dois. O problema é muito maior do que esse. Temos que criar um ambiente de segurança em diversas áreas do Rio. Acredito que nós estamos progredindo. Agora, é doloroso. Muitas vezes essas operações são complexas e trazem resultados à comunidade que nós não queremos, mas não podemos recuar”, disse o secretário, comentando as ações do tráfico em retaliação às operações da polícia. “É um problema que nós encontramos e temos historicamente aqui no Rio de Janeiro, mas nós também temos que agir. Não há solução mágica”, disse Beltrame.

E ele segue dizendo que mágica não existe (2010)

2011

“Não há mágica. Incidentes vão acontecer, mas não deixaremos de fazer com que as pessoas vivam melhor.” (Revista Isto É, 2011)

2012:

“Não se pode acabar com essa violência de forma mágica. É preciso um trabalho grande, demorado, de reunir efetivos e, se olharmos para trás, podemos ver o quanto já avançamos.” (Terra, 2012)

Como eu já disse, "Os corpos falam. As Balas também." Beltrame sabe que as pessoas morrem, como morrem, porque morrem, aonde morrem. Me impressiona que poucas vezes a imprensa o questiona — como fez o Extra — sobre um projeto que está claramente em falência e que custa muito caro. E não falo apenas monetariamente. Me refiro a vidas de agentes do estado e civis.

Precisamos falar sobre isso. Insistentemente. Há OITO ANOS a única política de Estado no campo da Segurança Pública são as UPPs. Eu vou me dar o direito de ser repetitiva. E isso é necessário porque Beltrame é repetitivo e não não tem nenhum pudor de o ser. Ele sabe que a fatura por tudo isso não vai chegar pra ele.

Vamos repetir então:

  • A UPP falhou. Vamos admitir isso e reformular essa política (ou programa?) antes que morra mais gente?
  • Vamos de fato fazer o que se propôs a ser feito que é o policiamento de proximidade? Porque PMs dançando em baile de formatura e fazendo partos não é polícia de proximidade. É deslocamento de função.
  • A UPP é o único plano de segurança que a Secretaria tem. Vemos pela RAS, que nada mais é do que um penduricalho no planejamento de segurança, que precisamos que mais que isso. Precisamos pagar os funcionários, inclusive.
  • Funcionários. Policiais são funcionários. Não são heróis. Quando esse rótulo cola nestes funcionários públicos, o Governo do Estado tem a desculpa perfeita para lhe sonegar direitos. “Morreu porque era um herói!”. Não, os PMs estão morrendo nas UPPs porque o Governo do Estado não lhes confere condições dignas de trabalho. Policiais ganham “vale coxinha”, marmitas pobres e até podres, trabalham em contêineres. E o Governo do Estado do Estado os chama de heróis. Porque se os conferisse o status de funcionários públicos, teria que garantir direitos, plano de carreira e tudo o que um herói não precisa porque ele é um herói com a missão de morrer por você. Mentira. Policiais morrem porque o Estado falhou.
  • As vidas perdidas são em decorrência da absurda e sanguinária ‘guerra às drogas’. E como sabemos que não existe guerra contra coisas, a guerra é contra pessoas. Pessoas que — de um lado ou outro da guerra — tem o mesmo perfil: pobres, moradoras de bairros populares e majoritariamente negros, com baixa patente. Porque quem elaborou essa política, o fez no ar condicionado de um escritório lindo. Onde o sangue não chega.
  • Isso vai mudar, mas com o fim da proibição às arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas. E não com a desmilitarização. Não existe desmilitarização em estado de “guerra”. É urgente a necessidade de legalizar e consequentemente regular e controlar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas.

Cidadãos estão pagando esta conta com sangue. Mas enquanto este sangue não for de um "dos meus", tudo bem.

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