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Lobby impede proibição de venda de armas
Líder de vendas do mercado civil brasileiro chegou a distribuir palm tops para congressistas; indústrias faturam cerca de R$ 350 mi ao ano
ROBERTO COSSO
LUIZA DAMÉ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Forte lobby patrocinado pelas
cinco indústrias de armamentos
do país -Taurus, Rossi, Imbel,
CBC e Boito- pressiona o Congresso a não aprovar a proibição
da venda de armas no Brasil.
Desde 1997, os congressistas
vêm adiando a votação de projetos que prejudicariam os negócios
das cinco indústrias, que faturam
cerca de R$ 350 milhões ao ano.
Depois do sequestro e assassinato do prefeito Celso Daniel, de
Santo André, o governo voltou a
defender a proibição da venda de
armas no país -depois de ter
descartado a proposta de proibir a
venda de celulares pré-pagos.
A Folha apurou que a Taurus,
que detém 80% do mercado civil
de armas no Brasil, distribuiu
palm tops (microcomputadores
de mão) para dezenas de deputados e senadores.
"Seria uma piada vender meu
parecer, uma coisa tão valiosa,
por um palm top", diz o deputado
Alberto Fraga (PMDB-DF), relator da matéria que retirou a proibição do projeto proposto pelo
governo federal. "Muita gente ganhou. Foi um brinde", contou.
Pedro Piva (PSDB-SP), relator
do tema no Senado, diz que devolveu o presente. Ele foi o responsável por retirar a proibição
do projeto de lei do Senado, que
passou a discutir o assunto depois
que a proposta do governo foi
desfigurada na Câmara.
Apesar de os dois projetos estarem prontos para serem votados,
é praticamente certa uma derrota
do governo. Os congressistas devem apenas restringir o porte de
armas, sem limitar a venda.
O líder do governo na Câmara,
Arnaldo Madeira (PSDB-SP),
atribui o fracasso do Planalto a
"questões culturais". Ele conta
que a reação da base governista ao
projeto impressionou o governo.
"Foi um balde de água fria."
Ao saber do projeto, o deputado
Benito Gama (PMDB-BA) comentou, indignado, com seus colegas: "No Nordeste, não dá para
andar desarmado".
O próprio relator na Câmara
ensinou os filhos, na época com
oito anos de idade, a atirar.
"Tirei a curiosidade deles", afirmou Fraga.
Argumentos
Além dos palm tops, o lobby a
favor da venda das armas contou
com panfletos distribuídos pelas
indústrias, com o objetivo de
mostrar que não existe relação
entre o número de armas legais e
os índices de criminalidade.
No Rio Grande do Sul, 9,2% dos
habitantes tem armas. O Estado
tem índices de homicídios muito
mais baixos que os registrados no
Rio de Janeiro e em São Paulo,
com percentuais bem menores de
armas -3,4% e 1,3%, respectivamente (veja quadro ao lado).
O principal argumento da indústria é que a proibição da venda
de armas só atinge os cidadãos
que cumprem as leis. Eles teriam
o direito à legítima defesa.
Os fabricantes sustentam que os
criminosos não seriam atingidos
pela proibição, à medida que não
compram armas em lojas, mas no
mercado negro.
Além disso, eles usariam em
maior quantidade, de acordo com
a indústria, armas produzidas em
outros países e contrabandeadas
para o Brasil.
A indústria diz ainda que cai
vertiginosamente o número de
armas vendidas anualmente ao
mercado civil brasileiro. Foram
48 mil em 1996 e 23 mil em 2000.
Elas exportam mais da metade de
sua produção.
A maioria das pessoas envolvidas na discussão entende que é
impossível proibir a venda de armas no Brasil sem limitar as exportações. "Seria moralmente
inaceitável", diz o professor de direito penal Luiz Flávio Gomes.
Segundo a Polícia Federal, há
2,8 milhões de armas leves registradas no país. O Exército, que
controla as armas de colecionadores e atiradores esportivos, não
informou o número de armas registradas nessas categorias. ONGs
contra a violência estimam entre 2
milhões e 3 milhões o número de
armas clandestinas em poder de
criminosos.
Os defensores do comércio de
armas dizem que os responsáveis
pelas mortes são as pessoas, não
as armas. "Se tirar a arma, matam
com faca. Se tirar a faca, matam a
pauladas", sustenta Fraga.
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