São Paulo, domingo, 03 de fevereiro de 2002

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Lobby impede proibição de venda de armas

Líder de vendas do mercado civil brasileiro chegou a distribuir palm tops para congressistas; indústrias faturam cerca de R$ 350 mi ao ano

ROBERTO COSSO
LUIZA DAMÉ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Forte lobby patrocinado pelas cinco indústrias de armamentos do país -Taurus, Rossi, Imbel, CBC e Boito- pressiona o Congresso a não aprovar a proibição da venda de armas no Brasil.
Desde 1997, os congressistas vêm adiando a votação de projetos que prejudicariam os negócios das cinco indústrias, que faturam cerca de R$ 350 milhões ao ano.
Depois do sequestro e assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, o governo voltou a defender a proibição da venda de armas no país -depois de ter descartado a proposta de proibir a venda de celulares pré-pagos.
A Folha apurou que a Taurus, que detém 80% do mercado civil de armas no Brasil, distribuiu palm tops (microcomputadores de mão) para dezenas de deputados e senadores.
"Seria uma piada vender meu parecer, uma coisa tão valiosa, por um palm top", diz o deputado Alberto Fraga (PMDB-DF), relator da matéria que retirou a proibição do projeto proposto pelo governo federal. "Muita gente ganhou. Foi um brinde", contou.
Pedro Piva (PSDB-SP), relator do tema no Senado, diz que devolveu o presente. Ele foi o responsável por retirar a proibição do projeto de lei do Senado, que passou a discutir o assunto depois que a proposta do governo foi desfigurada na Câmara.
Apesar de os dois projetos estarem prontos para serem votados, é praticamente certa uma derrota do governo. Os congressistas devem apenas restringir o porte de armas, sem limitar a venda.
O líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP), atribui o fracasso do Planalto a "questões culturais". Ele conta que a reação da base governista ao projeto impressionou o governo. "Foi um balde de água fria."
Ao saber do projeto, o deputado Benito Gama (PMDB-BA) comentou, indignado, com seus colegas: "No Nordeste, não dá para andar desarmado".
O próprio relator na Câmara ensinou os filhos, na época com oito anos de idade, a atirar.
"Tirei a curiosidade deles", afirmou Fraga.

Argumentos
Além dos palm tops, o lobby a favor da venda das armas contou com panfletos distribuídos pelas indústrias, com o objetivo de mostrar que não existe relação entre o número de armas legais e os índices de criminalidade.
No Rio Grande do Sul, 9,2% dos habitantes tem armas. O Estado tem índices de homicídios muito mais baixos que os registrados no Rio de Janeiro e em São Paulo, com percentuais bem menores de armas -3,4% e 1,3%, respectivamente (veja quadro ao lado).
O principal argumento da indústria é que a proibição da venda de armas só atinge os cidadãos que cumprem as leis. Eles teriam o direito à legítima defesa.
Os fabricantes sustentam que os criminosos não seriam atingidos pela proibição, à medida que não compram armas em lojas, mas no mercado negro.
Além disso, eles usariam em maior quantidade, de acordo com a indústria, armas produzidas em outros países e contrabandeadas para o Brasil.
A indústria diz ainda que cai vertiginosamente o número de armas vendidas anualmente ao mercado civil brasileiro. Foram 48 mil em 1996 e 23 mil em 2000. Elas exportam mais da metade de sua produção.
A maioria das pessoas envolvidas na discussão entende que é impossível proibir a venda de armas no Brasil sem limitar as exportações. "Seria moralmente inaceitável", diz o professor de direito penal Luiz Flávio Gomes.
Segundo a Polícia Federal, há 2,8 milhões de armas leves registradas no país. O Exército, que controla as armas de colecionadores e atiradores esportivos, não informou o número de armas registradas nessas categorias. ONGs contra a violência estimam entre 2 milhões e 3 milhões o número de armas clandestinas em poder de criminosos.
Os defensores do comércio de armas dizem que os responsáveis pelas mortes são as pessoas, não as armas. "Se tirar a arma, matam com faca. Se tirar a faca, matam a pauladas", sustenta Fraga.


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