Especial Impeachment

A semana mais tensa de Dilma Rousseff

A semana mais tensa de Dilma Rousseff

Perto do desfecho, Dilma atua para documentaristas e se concentra em representar o papel de vítima de um golpe

TALITA FERNANDES, COM REPORTAGEM DE ALANA RIZZO, ANA CLARA COSTA E BRUNO BOGHOSSIAN
26/08/2016 - 20h59 - Atualizado 29/08/2016 18h17
Revista ÉPOCA - capa da edição 950 - O último ato (Foto: Adriano Machado/ÉPOCA)

Claquete! “Companheirada, o comboio presidencial já chegou. Vamos receber a presidenta”, anuncia um integrante da Frente Brasil Popular às 20h15 da quarta-feira, dia 24. Dilma Rousseff chegava ao Teatro dos Bancários, na Asa Sul de Brasília, onde militantes e apoiadores a esperavam havia mais de uma hora em um espaço apertado. A trilha sonora remontava à campanha presidencial de 2014, com o jingle “Coração valente” pela voz da pequena baiana Giovanna Lima, que gravou a melodia quando tinha 7 anos. O tema foi tocado em looping ao longo do evento e interrompido apenas por poucos instantes. Dilma estava em cena, literalmente – não mais para se manter no Planalto, mas como intérprete de uma narrativa que ela deseja que se torne viral após o impeachment. Ali, em um ambiente fechado, controlado, com decoração avermelhada, aconteceria um comício cenográfico, artificial, no qual Dilma buscava com seus olhares as câmeras, não a plateia. A presidente da República já deixara de existir; surgia a atriz protagonista de um documentário sobre o “golpe”.

 Equipes de produtoras de vídeos gravam para um documentário sobre o impeachment da presidente Dilma (Foto: Sérgio Lima/ÉPOCA)

Com o propósito de que sua história seja contada, e mantendo desconfiança extrema em relação à imprensa, Dilma autorizou há dois meses que documentaristas filmassem seu cotidiano no Palácio da Alvorada, onde cumpre seu retiro desde abril, e em comícios de estufa. Desde então, quatro equipes, de Anna Muylaert e Lô Politi (ex-colega do marqueteiro petista preso, João Santana, em uma campanha de Dilma), Petra Costa, Maria Augusta Ramos e Douglas Duarte, filmam seu cotidiano. Dilma exigiu que as equipes estivessem no Senado Federal, para onde planejou o ato clímax de sua narrativa, previsto para a segunda-feira, dia 29: a defesa que fará pessoalmente de seu mandato. Com o cenário dado do impeachment, Dilma transmitiu que quer entrar para a história como a “primeira mulher eleita presidente do Brasil” e como “vítima de um golpe”. Não quer parecer Fernando Collor, que renunciou às vésperas de sofrer um impeachment em 1992 e terminou isolado, com fama de “explosivo” e de alguém que desistiu de lutar. Dilma tem extrema dificuldade em reconhecer publicamente seus erros, como a aversão à política, o jeito durão, a obsessão centralizadora e a inexperiência política que impossibilitou o diálogo com o Congresso e o PT. Prefere atribuir o fim de seu governo única e exclusivamente a um “golpe parlamentar” orquestrado por traidores e apoiado pela “elite conservadora do país” e por “segmentos da mídia”. Sem nunca mencionar que os deputados e senadores que a julgam foram eleitos democraticamente – e representam a população tanto quanto ela.

Foi nesse tom que Dilma se apresentou no ato que antecedeu o início do julgamento final do impeachment. Não se viu ali uma tentativa de incendiar a militância para lutar por sua volta ao poder, resgatar o “projeto do PT” e a marca dos 13 anos do partido no governo. A única imagem estampada era de Dilma. Os discursos também pouco, ou quase nada, lembraram Lula e o reinado do PT no Planalto. Ao fundo do pequeno palco, de onde fez o que deve ser um de seus últimos discursos na condição de presidente, surgiu o velho recurso da retomada de um passado heroico: uma foto de sua prisão em 1970 durante a ditadura militar foi estampada perto da palavra “Democracia” e a frase “Quem resistiu ao golpe militar, resistirá ao golpe parlamentar”. A plateia tem capacidade para 474 pessoas e foi preenchida com o vermelho do PT e dos movimentos sociais aliados, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o braço sindical do PT, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que ajudaram a organizar o evento por meio do movimento Frente Brasil Popular. Faixas de “Volta, Dilma”, “Fora,Temer” e militantes envoltos em bandeiras da campanha de dois anos atrás com o nome de Michel Temer riscado deram conta de atualizar o que mudou da campanha de 2014 para cá: Temer virou persona non grata desde que o impeachment avançou e ele assumiu interinamente o Palácio do Planalto em maio. 

A presidente afastada Dilma Roussef (Foto: Tomas Munita/The New York Times)

Dilma subiu ao palco vestida com uma calça preta e uma blusa vermelha rajada de negro. Entrou sorridente e cumprimentou um por um os que a aguardavam, entre eles alguns de seus ex-ministros, especialmente aqueles mais ligados a ela, como Eleonora Menicucci, sua amiga pessoal, Miguel Rossetto, Miriam Belchior e Jaques Wagner. Faltavam representantes do PT mais próximos a Lula, assim como o próprio ex-presidente, que preferiu viajar para Mato Grosso do Sul para visitar um acampamento do MST. Os senadores fiéis a Dilma não compareceram; alegaram que estavam no plenário votando a aprovação de projetos como a Desvinculação de Receitas da União (DRU), algo que Dilma não conseguiu fazer enquanto esteve no Planalto. A plateia gritou “fora, Temer!” inúmeras vezes, mas Dilma não engrossou o coro, apenas deu o ritmo da toada com palmas. A presidente afastada deu um tom de agradecimento. “Eu acredito que vocês são o que de melhor aconteceu para mim e para o país nesses tempos tão sombrios”, disse, no início do discurso que duraria 37 minutos. Lembrando a campanha eleitoral, ela tirou selfies, deu abraços e mostrou-se simpática àqueles que lhe prestavam homenagens. Acumulou nos braços flores e bilhetes, que repassava aos poucos aos cuidados de Bruno Monteiro, um de seus auxiliares pessoais que substituiu o “menino” Anderson Dorneles, que deixou o Palácio em fevereiro, na esteira das investigações da Lava Jato. Os movimentos de Dilma foram atenciosamente fotografados e filmados pelo fotógrafo oficial na Presidência, Roberto Stuckert. Câmeras de vídeo, booms, aqueles microfones felpudos que pendem do alto, e outros aparatos filmográficos a acompanharam da descida à entrada no carro. Fim de cena. Claquete mais uma vez.

Presidente afastada Dilma Rousseff durante passeio de bicicleta (Foto:  Adriano Machado / Reuters)

Sabia-se que ali já estava em ação não a Dilma Rousseff presidente da República do Brasil, mas a Dilma personagem de si mesma. Afinal foram cenas de uma campanha solo, sem o PT, sem Lula e com poucas esperanças de voltar à cadeira do gabinete espaçoso do 3o andar do Palácio do Planalto. Dilma se esforça para representar como uma atriz a mística da “coração valente” diante das objetivas. Desde abril Dilma mantém uma rotina estanque: acorda cedo, pedala nos arredores do Alvorada e volta para tomar café da manhã e ler os jornais. Fica irada quando lê sobre projetos de seu vice para a área de energia elétrica ou petróleo, como a proposta de flexibilização da participação da Petrobras em blocos do pré-sal. Depois começa a despachar. Os únicos presentes diariamente são os ex-ministros Ricardo Berzoini e José Eduardo Cardozo, seu defensor no impeachment, além do assessor Giles Azevedo. Ela também se reúne com senadores petistas e outros auxiliares, planeja eventos e acompanha algumas das decisões do governo Temer. Com o passar dos meses, a formalidade foi dispensada por alguns dos aliados, que abandonaram terno e gravata para ir ao Alvorada. Ela, não. Dilma mantém o figurino da rotina do Palácio do Planalto: veste os mesmos terninhos, se maquia e arruma os cabelos. Não poderia ser diferente. Sob o foco de equipes de filmagem o figurino precisa ser impecável e litúrgico.

O movimento no Alvorada, contudo, escasseia. Quem acompanha a rotina do espaçoso palácio diz que quase tudo foi embalado e enviado a Porto Alegre. Os poucos objetos que ainda estão por ali são os livros, aos quais Dilma recorre com frequência. Entre algumas entrevistas e reuniões, a petista se distrai assistindo a filmes e séries no Netflix. Ela já se declarou fã de séries como Downtown Abbey e disse ter assistido a House of cards. De vez em quando, dá suas gargalhadas no quarto. Contou ao ator Gregório Duvivier, quando ele a entrevistou no Alvorada, que havia se divertido com a esquete do Porta dos Fundos que ironizava críticas sofridas pelo grupo de comediantes por supostamente apoiarem o PT.

Dilma atua para as câmeras, mas já se irritou com a presença de um documentarista: “assim está demais”

Dilma está abatida, apesar da missão de encenar seu futuro. Com o auxílio dos senadores petistas e de Kátia Abreu, do PMDB, Dilma tem usado seu tempo livre no Alvorada para estudar o histórico de declarações sobre o impeachment de cada senador. Quer se preparar para quando comparecer à Casa, na segunda-feira. “Ela está mapeando, assim como faz o (Eliseu) Padilha”, diz um aliado, referindo-se ao ministro-chefe da Casa Civil de Michel Temer, conhecido como o homem das planilhas de votos. Os mais animados da tropa de choque de Dilma nutrem uma pequena esperança: de que ela consiga, em sua fala, comover ao menos sete indecisos. A presidente precisa de 29 votos favoráveis para escapar da cassação. Alguns poucos senadores, valendo-se de dose cavalar de otimismo, dizem crer que a fala da presidente pode ser tão decisiva a ponto de fazer com que eleitores pressionem seus senadores a desistir do voto favorável ao impeachment. O obstáculo para a trupe petista é que poucos no Senado acreditam que haja sete parlamentares indecisos sobre o futuro de Dilma Rousseff.

A petista não ambiciona apenas reverter votos dos senadores. Esforça-se, sobretudo, para que as imagens capturadas pelas lentes que a observam retratem a figura de uma mulher que luta pela democracia. Senadores tentam prepará-la para os ataques: aos poucos têm levado ao Alvorada os detalhes de como cada integrante da oposição se comportou ao longo da comissão de impeachment. O preparatório serve para evitar que Dilma não faça feio no grande dia e se perca em seu discurso. Alguns petistas temem isso, pois admitem que a oratória nunca foi o grande talento da presidente afastada. Dilma, contudo, diz que se manterá firme. Pelo script, dirá que não imaginava ter um dia de voltar a defender a democracia, num remonte a seus tempos de guerrilheira e de militante contra a ditadura militar. No alto das galerias, afinal, estarão acomodados os documentaristas. É para eles que Dilma falará, como a reportagem de ÉPOCA pôde constatar nos preparativos que a equipe de filmagem fazia nas galerias na última quinta-feira. Mas a Dilma real às vezes emerge. Certo dia, em reunião com assessores e ex-ministros, ela se irritou com a presença de um cinegrafista na sala. Pediu que ele saísse e desabafou aos aliados:  “Assim está demais!”.

Dilma continua se deixando gravar, mas restringiu o acesso dos documentaristas. Vez ou outra, a protagonista da maior crise política dos últimos 20 anos – e agora personagem de sua própria ficção – deixa escapar a vontade de voltar à vida normal. No dia 12 de maio, quando o Senado a afastou do cargo, Dilma jantou no Alvorada com amigas, especialmente aquelas que lutaram com ela contra a ditadura militar. Tomou vinho e lembrou os tempos de luta. Em outros momentos de descontração, disse que gostaria de voltar a guiar seu Fiat Tipo 1996 (que ainda guarda na garagem do palácio residencial) e dirigir até o supermercado para fazer compras como uma desconhecida. Os interlocutores ficaram incrédulos. Transpareceu que nem mesmo a própria Dilma se sente mais à vontade para encenar fora das telas o papel de vítima de um golpe.

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