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Mais um bloco de Carnaval acaba porque faz sucesso demais

Em Fortaleza, muitas coisas acabam porque dão certo demais. O sucesso determina o fim. É o caso do bloco Glitter
13:54 | Jan. 08, 2018
Autor Érico Firmo
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Érico Firmo Editor e Colunista
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Tipo Notícia

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Na ordem natural, algo acaba quando não dá certo. Em Fortaleza, sempre peculiar, não é bem assim que acontece. Por aqui, muitas coisas acabam porque dão certo demais. O sucesso determina o fim. O bloco Glitter, sucesso do Pré-Carnaval de 2017 e fenômeno já no primeiro sábado de 2018, caminha para ser mais um na lista.

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Os motivos para o fim do bloco - um dos mais recentes da Cidade - passam pela lotação, furtos, paredões de som, sujeira. Nada que não fosse previsível em um grande evento e não pudesse ser prevenido.

Lotação não deveria ser problema para uma festa de Carnaval. É isso que ocorre em Olinda (PE), Salvador (BA), Rio de Janeiro (RJ). Toda uma economia é movimentada. Parece que a expectativa, por aqui, é de que as iniciativas sejam frustradas, ninguém compareça e, aí, estará dentro do que foi preparado. Sujeira, furtos, poluição sonora são resultado de falta de fiscalização e estrutura. Imaginar o fim do bloco como solução é defender a paz dos cemitérios - e aí o problema não é dos organizadores. Não apenas, pelo menos. A Prefeitura tem de ser parceira para viabilizar algo que interessa à Cidade, para que ocorra de forma saudável.

Governos gastam muito com promoção de eventos. Como O POVO Online mostrou neste fim de semana, dinheiro considerável de emendas parlamentares foi para shows de artistas como Wesley Safadão e Aviões do Forró. O Glitter ocorre por fora da estrutura pública. Sem dinheiro governamental, é alternativa de lazer gratuita, aberta, que atrai cada vez mais gente. Mais que investir em eventos próprios, com seu carimbo e orçamento, os governos deveriam dar suporte a iniciativas espontâneas, que nascem de segmentos sociais e dão dinâmica à vida cultural.

Longa história

Caso o fim do Glitter se confirme, será mais um na longa lista de blocos que deixaram de existir porque fizeram sucesso demais. Em meados dos anos 90, o Quem é de Bem Fica apresentou o Pré-Carnaval à minha geração. Percorria as ruas da Gentilândia com marchinhas carnavalescas. Começou tímido e logo se tornou fenômeno. A multidão inviabilizou os cortejos e o bloco foi extinto.

No ano passado, o Carnaval de Fortaleza perdeu o Sanatório Geral. Os motivos foram muito parecidos com os que ameaçam o Glitter. O bloco surgiu no Pré-Carnaval, na rua Paulino Nogueira, ao lado da Reitoria. Em 2009, “tirou o Pré”, como diziam os organizadores, e tornou-se bloco de Carnaval. Foi pioneiro nessa leva de tentar construir uma programação durante os dias de festa. Passou a ocupar a Praça da Gentilândia. Atraiu muitas crianças, começou a criar uma tradição de se fantasiar por aqui. Porém, cresceu demais. Faltava ordenamento no espaço público. Os ambulantes se acumulavam, com panelas cheias de óleo borbulhante ao lado de crianças que passavam correndo. Faltava segurança, banheiro. O bloco, então, acabou em 2017.

Responsável por impulsionar o atual ciclo do Pré-Carnaval, o Concentra Mas não Sai teima em persistir. Começou na Cidade 2000, mas a praça ficou pequena. Mudou-se para o Mercado dos Pinhões. Virou fenômeno. Não coube mais e, desde 2006, passou a ocupar a Praça do Ferreira nos sábados que antecedem o Carnaval. Este ano, o bloco não participou do edital da Prefeitura, mas confirmou que vai sair.

O mais triste é que não há nenhum grande problema que tenha levado à extinção de blocos como Sanatório Geral e, agora, Glitter. Foram coisas tão pequenas, tão simples. É constrangedor que não se tenha encontrado solução.

Fortaleza é cidade com fama de não ter Carnaval. Ao longo da história, várias iniciativas tentam desconstruir essa máxima. Nenhuma delas esbarrou na falta de gosto popular pela festa. Pelo contrário, o problema é que as pessoas gostam demais. Muita gente quer participar e a Cidade e suas autoridades não viabilizam que os espaços públicos comportem. Assim, as ruas ficam mais vazias, a Cidade fica mais triste, nós ficamos mais pobres.

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