Adeus, pirilampos!

Olá, cinzentinhos. Como as pessoas do meu twitter já sabem, estou saindo em definitivo do tumblr.
Por motivos que não vem ao caso, esta é a minha despedida. Foram mais de 4 anos aqui, e vocês sempre farão parte da minha história.
Há 4 anos, cheguei aqui pra ver no que ia dar. Desacreditado completamente da minha escrita, desacreditado completamnte da minha vida. Mas aos poucos, eu acreditei em cada palavra que vocês disseram, eu acreditei em cada elogio, eu jamais me senti tão acolhido aqui fora, no mundo real, como eu me senti ao lado de vocês, gente que eu nem conheço. Entrei aqui como um menino e saí como um gigante, fiel à essência que vocês me fizeram acreditar que eu tinha. Vocês não sabem o quão bom foi receber tanto apoio e tantas mensagens positivas.
Passei por fases ruins, fases medianas, fases péssimas e fases boas, mas jamais deixei de encontrar auxílio aqui, neste blog. Eu construí fama, sim, mas mais do que isso, eu conquistei amigos.
Vários amigos incríveis que eu pretendo, se a vida permitir, levar comigo pra fora daqui.
Vários amores. Várias histórias lindas que só eu sei.
Eu já desativei o Cinzentos uma vez, e saí com raiva, com rancor, mas dessa vez, não, eu saio feliz, saio em paz, saio realizado. E pra sempre. Saio crescido, enfim.
Vocês me acompanharam durante tanto tempo e tantas tristezas. Eu não tenho do que me lamentar.
Eu espero, apenas, ter retribuído metade do que vocês fizeram por mim. Ter tocado a vida de vocês com as minhas palavras.
Deixo o Cin, esse personagem querido, aqui, enterrado no lugar que sempre foi dele. Eu sei que é estranho falar de si mesmo na terceira pessoa, mas Cin era meu amigo. Era meu confidente, meu escritor preferido, meu ombro amigo. Cin era a melhor parte de mim. E por vezes, foi a pior também. Eu aprendi a confiar em mim mesmo. Aprendi a confiar no Cin e agora sinto que não preciso mais dele e nem ele de mim.
Só eu sei o quanto cheguei aqui pequeno e assustado. Continuo assustado, de fato, mas sei que não preciso estar sozinho. Vocês foram incríveis.
Os textos do Cinzentos continuarão aqui, sempre. Para os que tiverem saudades de mim e para os que não me conheceram. Aos possíveis novos seguidores, eu lamento não os conhecer. Mas tudo o que sou e tudo o que tenho está nas minhas palavras. É tudo de vocês. Tudo do Cinzentos.
Eu não pretendo voltar. Mas eu sei que vou ficar, sim, de alguma maneira, em cada um de vocês que me seguiram até hoje, e que se identificaram comigo, com as minhas cores amargas, com o meu pouco brilho e os meus dramas intercalados com umas faíscas gostosas de felicidade.
Eu adoro vocês. E novamente agradeço por cada ask, cada nota, cada seguidor. cada reblog, cada elogio, cada carta, cada mensagem, cada homenagem, cada sopro de amor e admiração que me foi enviado.
Nos momentos de desespero. Nos momentos de euforia.
Nos momentos de poesia.
Eu falo aos meus pirilampos, hoje, pela última vez.
Este é também o meu último texto. Do Cinzentos e da vida.
E fica o meu sincero agradecimento a todos, por tudo.
Eu fui feliz. Saio também feliz.

Eu vou lembrar sempre do Cin e de vocês também.
Adeus, pirilampos. Se cuidem!

anotação pessoal IV

aos quinze anos, eu acreditava que amar curaria tudo. ostentando a minha frieza e minha trepidez, eu dizia ao mundo, de forma bem menos poética do que eles imaginavam, que era possível sobreviver sem ser feliz. eu era o cara durão. mas acreditava que amar curaria tudo o que houvesse pra curar. mas o que eu não sabia, aos quinze, é que existem bem menos coisas pra curar do que acreditamos. existem bem menos loucuras no ato de ser triste e sozinho. e quando você finalmente descobre o universo, quando você descobre a liberdade, quando você descobre a grandeza do tempo, encontra um amor diminuto, escondido das paredes de uma velha escolha de um velho caderno de adolescente. encontra um amor sóbrio e sem graça, encontra um amor que cresceu demais, um amor que apanhou demais, um amor que tem contas a pagar e bem menos coisas divertidas a fazer. você descobre que o amor não cura nada, porque quem ama já tem as suas próprias doenças pra inventar. aos quinze, eu acreditava em alguém soberano, quase um deus, que me reergueria, que me enxugaria as lágrimas, que me levaria pra longe de tantos demônios que continuam rebeldes, mesmo eu tendo passado (e muito) dos quinze anos. você descobre que a euforia do primeiro beijo se perde ao longo dos anos, você descobre que o infinito só é grande pros ignorantes. você descobre que ama, assim mesmo, sem perceber, sem querer, enquanto chora  e fuma um maço de cigarros, vira uma garrafa de bebida e deseja morrer. você ama mesmo assim, e a sua vida continua um saco. não existe ninguém que vá te chamar pra ir embora: você deve ficar, porque o amor é isso, é esperar, e não partir. aos quinze, eu esperava, sim, que o amor curasse tudo. mas eu não estava doente de nada. eu não estava precisando de nada. agora, eu preciso. 
preciso de mais alguma coisa que me arrebate dessa dor profunda, que me ofereça um colo escondido, que despedace o meu coração e que lamba o meu sangue, que caia em teorias falsas e bonitas do infinito junto comigo. eu quero alguém como o alguém que eu tinha, aos quinze anos. eu quero um amor como aquilo que eu não achava que era amor, aos quinze.
eu sinto falta dos seus olhos castanhos. você disse que me amava, lembra? dentro do cinema, enquanto Legião Urbana tocava no filme. eu achava que o amor curaria tudo. você não me curou. mas você me cura aos poucos, agora. você e a sua inexistência, porque o amor sufoca, sempre tão presente e tão cuidadoso. você pegava na minha mão e eu não sentia nada. eu não aguento mais sentir tanto. eu quero não sentir nada, entende? você disse que eu era a sua única chance de ser feliz e que você tinha me perdido. tantos e tantos desencontros. eu amo você,  você não me ama, você me ama, eu não amo você. eu quero voltar. mas eu não tenho pra onde voltar. não conheço mais você. eu não tenho como acreditar naquele amor de novo (no amor que você me ofereceu na sala do cinema, junto com as jujubas vermelhas). eu tinha quinze anos, você também, e a gente acreditava que o amor curava. eu amo, amo, amo e amo, eu não sou mais um cara durão, mas eu sinto falta de amar você. eu amo você e essa saudade absurda mais a cada dia que passa, porque você não existe mais na minha vida. eu estou amando agora mesmo. mas triste.
se você me ligasse agora, às 22h38 dizendo que sente a minha falta e que quer conversar comigo, dizendo que está triste porque você terminou seu relacionamento e tá precisando de um ombro amigo, se você me desse aquele abraço que me deixa com hematomas na alma sempre que ele acontece, se você me usasse como sempre usou, se você puxasse conversa sobre assuntos que eu não entendo, se você parasse de existir só nas minhas lembranças de quando eu tinha quinze anos, se você me quisesse, de qualquer forma, se você só me quisesse, se você me chamasse agora pra ir ao cinema, mesmo que não dissesse que me ama como fez na primeira vez, eu saberia. eu saberia que o amor cura tudo. mas ele não cura. eu não estou doente: eu estou triste. e está tudo bem. mas eu sinto falta de uma explosão. de tristeza ou de amor, tanto faz. eu sinto falta de estar vivo, e sinto falta de você também. 

somos tão jovens, tão livres e tão tristes….

(Cinzentos)

Mais um dia como os outros

delirios-da-meia-noite:

E lá estava eu novamente, naquela parada de ônibus. Sozinha. Pela noite. O deserto que ali estava me fazia sentir novamente emoções que eu não queria sentir. Emoções que trazem os meus sintomas já antigos, e que insistem em sempre voltar e me amedrontar.

Cheguei naquele lugar no exato momento que o meu ônibus havia passado. Perdi. Eu me atrasei. Não, fizeram eu me atrasar. O meu pequeno aluno hoje teve algumas dificuldades no uso do “por que”, por quê” e do “porque”. E pela milésima vez, depois de aulas e meses tentando explicar, ele continuava sem entender. Eu estava cansada. Eu entendo que ele tem as suas dificuldades, mas eu sou humana. Eu as vezes me canso, eu as vezes quero desistir. Mas tudo se resolve com um belo sorriso, demonstrando o maior otimismo do mundo, e dizer que ele é capaz. Para nunca desistir.

Essa palavra desistir é muito interessante para mim. É um termo muito presente na minha vida, que me faz relembrar bastante sobre o passado. Sobre as pessoas que eu deixei ir embora, sobre as pessoas que eu abandonei, e sobre os problemas que eu não soube resolver e simplesmente desisti. Fingi que eles não existiam.

Lá estava eu na parada de ônibus. Quando eu cheguei havia sim algumas pessoas. Eram umas 5 aproximadamente. Havia um rapaz sozinho olhando o seu whatsapp, sem medo de que viessem ladrões e o assaltasse. Havia duas mulheres muito faladeiras, e como falavam e riam alto! Muito irritante. Odeio vozes altas, sons altos, lembranças altas e dores altas. As outras duas pessoas eram completamente avulsas, esperavam tranquilamente os seus ônibus. 

O primeiro ônibus passou. Não, não era o meu. O meu chegaria apenas depois de 30 minutos. Os 30 minutos mais aterrorizantes do meu dia. Uma pessoa entrou. Depois de 5 minutos, passou outro. Depois mais outro, e mais outro. Todos foram embora. Eu estava sozinha. Novamente sozinha. Mas eu confesso que eu não me importei tanto assim. Já estou acostumada com o estar sozinha, então não me incomodava tanto assim. O único problema é que 30 minutos parece uma eternidade. O tempo não passava. As pessoas iam e vinham. Os carros não paravam de passar. O mundo todo girava. E lá estava eu, perdida no tempo. Perdida naqueles malditos pensamentos. Perdida nos meus malditos sintomas: solidão, vazio e morte. As três palavras que me perseguem diariamente há anos. Mesmo acostumada, eu  odiava sentir isso. Eu odiava estar naquele lugar, sozinha e perdida. 

Talvez fosse melhor se de fato aquele assaltante viesse e roubasse aquele rapaz do celular, e me levasse junto. Eu não estaria sozinha e nem perdida. Eu não estaria nada. E assim o mundo continuaria girando sem mim.

Li três textos hoje. Os três falavam de tédio e tristeza. Os três falavam de lágrimas, solidão e vazio. Talvez, eu tenha mencionado todos esses fatores nos meus últimos textos. E nos meus primeiros também… Mas é que todos os seres humanos tem algo em comum: a existência. Fria e transmissível como um gripe, de fato. Hoje, além do três textos tristes, eu vi também um ambulância de maternidade, com a sirene ligada, provavelmente com uma moça em trabalho de parto dentro. Sorri. Gostaria de estar lá dentro com ela. Partos. Eu odeio partos. São poesias sendo expelidas do corpo, com mini perninhas, às vezes desejadas, às vezes não, assim como eu. Todos os bebês são pequenas metáforas antes de escreverem seus próprios textos tristes, assim como eu. Mas gosto de pensar que aquela mulher cresceu, sonhou, amou e alimentou dentro de si o desejo de ser mãe. Gosto de pensar que ela estava gritando de dor, com as pernas abertas para estranhos, absurdamente vulnerável, porque tem que ser assim, assim como eu, você, nós. Dou à luz a tantas coisas tristes: tédio, lágrimas, solidão e vazio. Todos os dias estou com o coração crescido, esperando algo me explodir e querer sair por todos os buracos vulneráveis e atraentes da minha alma. Eu penso na minha mãe, coitada, parindo algo que ela jamais quis parir. Vomitando sua poesia incompleta ainda, gritando de dor, sangrando, igualando-se a um animal, tão nova, tão bonita, envergonhada de suas entranhas, envergonhada de seu ventre expelir algo tão clichê quanto, adivinhem, eu! Eu gostaria de dizer pra minha mãe que ainda busco completar a poesia que ela começou e não teve tempo de terminar. Ainda busco acordar de manhã e encontrar um sentido pra minha vida. Mães gritam e esquecem da dor com um choro. É a vida em seu estado bruto, cru, nu, bonito. Longas horas de agonia e, no final, um sopro de felicidade que vem em forma de outro choro, envolto em sangue, visceral, minúsculo, o primeiro texto triste da vida de um novo ser humano. Partos são metáforas lindas. São reais. Mamãe abraçou sua metáfora incompleta e me amou com todas as forças que tinha. (Entendo que ela tinha poucas forças. Eu também sou fraco. Mas amo mesmo assim. Eu sei como é). Mamãe amou sua obra incompleta, como uma criança que ama um desenho feio, como uma adolescente que se apaixona por um cara errado na escola, como um idiota que escreve textos tristes. Meu choro abafou o choro dela. Agora, a vida era problema meu, meu e de meus textos tristes. Mas hoje, após ver aquela ambulância da maternidade, eu quero dizer algo para a nova metáfora que veio ao mundo… Eu quero dizer, amigo, que essas lágrimas vão cair centenas de vezes e que respirar dói ainda hoje. Mas eu quero dizer também que a gente consegue sobreviver mesmo sendo incompleto. A gente consegue ser feliz, mesmo escrevendo textos tristes. A gente consegue parir centenas de coisas com os buracos da alma, e amá-las, assim como, aos poucos, eu consigo amar a mim mesmo, com toda essa incompletude, essa confusão e essa impotência asquerosa. A gente consegue dar uma pausa na solidão e e aproveitar a companhia de alguém, a gente consegue esquecer de tudo através do álcool ou da bíblia (o que você preferir adorar), a gente consegue ser feliz fazendo sexo, mesmo que do sexo nasça outra poesia, completa ou incompleta, para preencher o eterno vazio do mundo. O mundo, inclusive, lê suas poesias rápido demais. É incessante. Então, amigo, você não é o último cara da terra. Você não é o único texto triste que li hoje. Eu quero dizer, amigo, que hoje eu vi uma grandalhão passeando com um filhote de cachorro na rua. Hoje, eu fiquei feliz porque você tava chegando! Dá pra ser feliz, entende? É difícil, mas dá. Dá pra ser feliz, amigo. Você consegue amar até mesmo aquilo que dói. Olha pra sua mãe e vê como ela tá chorando enquanto te olha. De dor ou de felicidade, que seja. Mas ninguém escuta o choro dela, apenas o seu. Não esquente com isso. Os choros abafados, uma hora, serão os seus. Os choros do seu velório serão mais altos do que a sua tristeza velada. Mas por enquanto, pequeno amigo, este texto não é um texto triste em sua homenagem.
Live To Tell The Tale

Olá, pirilampos, estou divulgando (sim, quase um promoter) o recém criado tumblr da minha namorada. Divirtam-se e sejam legais com ela, porque a coitada é noob. Até!

Ostra feliz não faz pérola. A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faca sofrer. Sofrendo a ostra diz para si mesmo: ‘Preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire as pontas…’ Ostras felizes não fazem pérolas… Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. A ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída…Por vezes a dor aparece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucaram. Para me livrar da dor, escrevi

Anonymous asked: Boa noite! Me chamo Ana e moro em São Paulo. Não possuo conta, mas apenas quis agradecer a você, seja lá quem for. Minha filha tem 15 anos e ama os seus textos. Ela sofre de depressão e dislexia, sempre tentei encontrar algo que a motivasse a seguir estudando, e agora ela adquiriu o hábito de leitura através do seu blog. Ela sempre fala de você e hoje eu vim ler também. Achei super interessante. Obrigada por ajudar a minha filhota. Beijos, Ana!

Cara… Cara… Essa foi a coisa mais linda que eu já recebi na vida. Muito obrigado mesmo, dona Ana. Manda um beijo pra sua filha! 

engarrafamentos, caixões e ironias

Preso no trânsito mais uma vez. Asfalto, carros, calor e tempo perdido são, atualmente, meus maiores genéricos da tristeza. São aproximadamente 10h30 da manhã, estou voltando da faculdade feliz após conseguir terminar uma prova mais cedo e evitar quilômetros de congestionamento. As pequenas alegrias medíocres que a vida oferece, enfim. Ainda um pouco longe de casa, um sinal. O carro da minha frente é de uma funerária, o vidro de trás não tem fumê. Dava pra ver um caixão dentro. Era pequeno, de madeira escura, preso bem firme com faixas pretas, como se o morto fosse fugir pra algum canto. Ali estava um cadáver encaixotado bem na minha frente. Desconhecido. Incomodamente desconhecido. Mas eu pensei na família que estava chorando a morte dele, enquanto o corpo estava naquele camburão exposto como um troféu. Teria ele família, inclusive? Amigos, pais, filhos, esposa, esposo, um cachorro que vai esperar por ele até quando conseguir? Teria cabelos compridos, curtos, usaria óculos, aparelho dentário? Seria rico ou pobre? Feliz? Morreu de quê? Era velho, novo? Foi infarto? Câncer? Dava pra perceber que era um sujeito magro pelo tamanho do caixão, mas era só. Uma exposição. Uma vitrine mórbida. Um cadáver exposto ás 10h30 da manhã, enquanto o calor era insuportável do lado de cá, no mundo dos vivos. O carro da funerária continuou na minha frente até eu chegar em casa. Tive a sensação de que era a morte me guiando, ironicamente, para que eu chegasse a qualquer lugar são e salvo. Aquele caixão tava me dando um “oi, cara”. Senti uma afeição por ele e uma vontade de comparecer ao enterro. Eu sempre gostei de enterros. Eu e o corpo éramos amigos agora. Construí toda uma vida pra ele, afinal de contas, eu e ele temos todo o tempo do mundo para se perder. Eu e ele temos mais coisas em comum do que imaginamos. Eu e o cadáver. Ambos presos no trânsito, às 10h30 da manhã. Eu feliz após terminar a prova da faculdade, ele talvez feliz por não precisar mais estudar pra nada. Eu, completamente entupido de poesia engasgada, e ele também. Uma poesia encaixotada e devidamente dissecada em cima de uma mesa fria e metálica. Cortaram o meu amigo da cabeça aos pés, não acharam vida, agora ele está aí, exposto, numa vitrine, mas escondido, para que a não existência dele não incomodasse as outras pessoas. Amarrado com faixas pretas para que ele, de maneira nenhuma, tentasse voltar. Penso nos amores que deixou de aproveitar, e penso nos amores que aproveitou, e nunca deram certo, penso nos hamburgueres que ele vai deixar de comer, penso nos risos que ele não dará e, por um minuto, fico triste por ele. Sinto luto. Luto por um desconhecido tão íntimo. Somos da mesma carne, do mesmo sangue, da mesma dor. Daqui a alguns anos, eu também estarei dissecado, o legista não encontrará nada além de órgãos negros e inchados, assim como os meus olhos incharam de tristeza tantas vezes e não importará mais, assim como não importa agora. Eu e o cadáver temos mais coisas em comum do que ele supõe. Eu sou ele no futuro, ele sou eu agora. Um monte de matéria orgânica, um amontoado de carbono e água, derretendo no calor da cidade, às 10h30 da manhã. Quando eu tinha doze anos, eu matava aula pra ir até o cemitério. Sim, um prazer mórbido, mas eu era uma criança que não enterrou a mãe, eu precisava enterrar tantos sentimentos dentro de mim que preferi enterrar desconhecidos. Meus melhores textos saíram de túmulos, literalmente. A vida, amigos, é isso: um combustível doce aprisionado num corpo cuidadosamente adequado a ele. A máquina perfeita: artérias, tecidos, glândulas, cérebro, coração e dor. Os doutores abrem o corpo, tentando encontrá-la, e ela desaparece antes mesmo de ser liberta. A vida não suporta a liberdade. E o caixão está amarrado com faixas pretas. Eu queria dizer ao meu amigo que mesmo depois da morte a gente não se livra dos engarrafamentos. 

(Cinzentos)

uma troca improvável de correspondências (talvez) tristes

olá moça
recebi sua mensagem, e vou responder de forma micro e macro, assim como a sua existência. (a nossa existência, temos uma artéria escondida unindo as nossas lágrimas)
sua vitrine é admirável. preciso dizer que parei pra olhar diversas vezes. o vidro embaçado, as cores vibrantes atrás.
você vitrine, eu, pedestre. a vida segue como tem que ser, cada qual com sua exibição, ambos passageiros, renováveis, potencialmente tristes. 
imagino a graça e a dor de ser vitrine.
olhares. amargos como o fim de uma existência assustadora, mas olhares. não deixam de ser olhares, em qualquer parte do mundo, em qualquer circunstância. medo, curiosidade, admiração, quem sabe tudo junto. imagino também a delícia de alguém passar com as pontas dos dedos nos teus vidros, desenhando corações e nomes de casais. é a delicadeza espontânea em cima de um monte de possíveis cacos. sempre possíveis, sempre impecáveis, vitrine.
aqui de fora eu vejo teu lindo cabelo rosa, teus olhos fortes, tuas palavras com cheiro de tardes aleatórias, às vezes sangrentas, ás vezes não. eu sou o cara que para e olha a vitrine, sem nunca entrar. eu tenho pressa em continuar o meu caminho, a cada passo que eu dou, tenho mais chances de esbarrar com pessoas avulsas e encontrar combustível pros meus textos melancólicos e crus. eu preciso continuar, sempre. independente de quantas vitrines eu deixe passar. eu, eu mesmo, tenho necessidade de passar.
mas queria que alguém gostasse de ficar, só pra não cair nessa rotina horrível. tudo o que vejo no passado e no futuro são costas e belas vitrines pelas ruas. mas gosto do que você expõe.
gosto das suas lágrimas expostas. é como se uma vitrine, pela primeira vez, me olhasse de volta. 
eu sou o cara que nunca ofereceu a cara a tapa, mas sempre recebeu tapas. de todos os lados, de todas as mãos, de todas as formas. menos no sentido literal da palavra (até porque eu, logo eu, tão bonzinho)
eu sou o cara que nunca gritou com ninguém no supermercado, mas todas as vozes me parecem gritos. talvez o silêncio esteja me deixando medroso e louco.
talvez não estejamos assim, tão protegidos. você com seu cabelo rosa, eu com meu cabelo raspado. quem amaria uma vitrine? eu sei como é, só não sei como é ser. eu sou simplesmente um cara desconhecido encarando outros caras desconhecidos ouvindo música dentro do ônibus.
ninguém sabe (só você e o resto de um planeta mudo), mas eu me apego até mesmo aos carros que andam na minha frente. eu fico triste quando eles mudam de faixa.
que tipo de pessoa a gente é?
por que a gente sente as dores um do outro? 
eu só sou o cara que te faz chorar. você é só uma vitrine olhando um pedestre. eu amo todas as pessoas que passaram por você e não te olharam. claramente, é sobre esse tipo de pessoa que eu escrevo. sobre pressa, sobre medo, sobre solidão, sobre amor, sobre mim. só sobre mim, num ego autossuficiente que faz cafuné em si mesmo nos dias de terça feira.
eu consigo me enxergar nos vidros da sua vitrine. isso é lindo, e triste.
temos algo em comum. tá tudo uma merda, sim, de fato, mas tá tudo bem.
você me olha de lá, eu te olho daqui,a  gente se esbarra, a gente chora, eu te entendo, você me entende, a gente se cruza no meio da rua, eu encaro o seu cabelo rosa, você me ignora e segue com seu coração em pedaços, e eu também. tá tudo bem, moça, tá tudo bem. 

(Cinzentos)

anotação pessoal III

“então, infelizmente, não vamos renovar o seu contrato”
foi aí que eu percebi que tava demitido.
claro, com uma boa quantia no banco após algumas economias de salário. não sei como.
na sala, eu e meus dois chefes. em cima da mesa, meu relatório final com nota máxima.
todo mundo sabia que ia sair um pessoal. houve nova seleção. renovação de cabeças. eu já esperava.
“o seu trabalho aqui foi excelente”, eles disseram. não estariam me demitindo se fosse verdade. algo faltou, é verdade, e eu já sabia o que era. 
meu chefe disse que eu precisava “me soltar mais”. 
e eu estava lá completamente preso. estou aqui, inclusive, completamente amarrado por inúmeros fios de cabelo invisíveis. 
meu chefe disse também que eu podia tentar fazer uma terapia, participar de um grupo de dança ou de teatro, pra ver se eu melhorava a minha auto confiança.
eu cuidei dos sobrinhos dele quando eram bebês. ele não sabe disso até hoje. achei meio fora de questão dizer. as crianças me adoravam, mas eu não fazia ideia de quem ele era, muito menos de que ia mandar em mim. e dizer que eu preciso melhorar a minha auto confiança, enquanto me demitia, e fingia sentir dó por isso. talvez sentisse mesmo, o que torna a situação toda ainda mais desprezível. ele tinha um emprego fixo, um carro importado, e o poder de me demitir falando palavras agradáveis. 
eu quis dar um soco na cara dele, tamanha a minha fragilidade. optei pelas armas que eu tinha: opacidade. ele jamais saberia o que estava se passando na minha cabeça enquanto ele fazia uma análise da minha vida com base numa convivência profissional de menos de um ano. 
mas, infelizmente, eu percebi que meu olho tremia. minhas mão se curvavam involuntariamente. meu lábio superior pulsou de raiva e vergonha. eu imediatamente olhei pra minha outra chefe e fingi um sorriso quando ela falou que eu deveria permanecer sendo esse bom aluno que dava pra ver que eu era.
“você não tira esses relatórios maravilhosos da sua cabeça, claramente a gente vê que você sabe demais, mas não se expõe”. 
“quem não se expõe, acaba se expondo mais”
não me exponho. a felicidade é uma questão de se expor.
ter um emprego fixo e um carro importado e o poder nas mãos é uma questão de se expor. nunca me expus o suficiente.
quando minha mãe morreu, quando inventei que os demônios debaixo da cama haviam se mudado pro meu corpo (acabei tendo medo de mim), quando beijei garotas que jamais deveria ter beijado, quando fui pra cama com o desespero ainda latejando nas artérias, quando disseram que era culpa minha, quando mordi um colega de escola e a professora disse que estava decepcionado comigo, logo eu, tão bonzinho, quando eu era o último a ser escolhido nas aulas de educação física, quando me trancava no quarto pra chorar e ouvir músicas estranhas, quando pensei em cortar os pulsos aos seis anos de idade, quando tomei um vidro inteiro de remédios simplesmente por tomar, por brincadeira, pra ver no que dava, pra ver no que não dava, pra experimentar a dor e culpar alguém, quando fui feliz porque não existia motivo pra chorar, quando me apaixonei pela primeira vez, fatalmente caindo em lágrimas a cada vez que escuto muse (resistance era a nossa música, baby, continua sendo, e dói), quando passei a falar mais alto cada vez que alguém tentava se aproximar de mim, quando fugia dos fogos no ano novo, quando fiz um blog por incapacidade de falar.
eu nunca fui frágil o suficiente. estou aqui. estou aqui, sempre estarei aqui, e não era o suficiente. 
nunca me expus o suficiente, e aquele filho da mãe sabia disso, de alguma forma.
o silêncio falava por mim. e disse que não era o bastante. a escolha de calar foi minha. calei diante de tantos calos na vida. de tanta poesia que eu não fui capaz de escrever. diante de tanta melodia num mundo que grita dentro dos meus ouvidos palavras de dor e ressentimento. eu calei, me protegi até onde deu.
minha mãe costumava ir até a escola, com bilhetes assinados, dizendo que eu não ia apresentar o trabalho porque estava com vergonha de falar em público. eu estava com vergonha de viver. plateia, pra que?
“a gente vê que você sabe demais, mas não se expõe”
ter me matriculado em duas faculdades ao mesmo tempo e lido uma centenas de livros não me protege do mundo, mas ameniza. a nota máxima no relatório não me manteve empregado. o que eu posso fazer?
minhas notas boas resumem o mundo em leis e invariáveis.
mas não era o bastante.
“quem não se expõe, acaba se expondo mais”
e aquele desgraçado estava ali na minha frente, me dissecando. enquanto eu tentava não chorar. não por causa do maldito estágio, mas sim por causa da exposição.
eu sou um quadro escondido no fundo do museu. um quadro de pouca visibilidade. um ponto cinza numa tela em branco. interprete da maneira que quiser.
pouca ou muita fragilidade.
eu cuidei dos sobrinhos daquele imbecil agradável. as crianças eram mais silenciosas naquela época.
o mundo não cala a merda da boca.
a escolha de ser eu, completamente eu, era somente minha.
e eu saí em silêncio.
eu saí da sala e me despedi dos meus ex colegas de trabalho. uma das garotas que eu sentia uma queda enorme me abraçou duas vezes e encheu o olho d’água. eu abracei ela tão forte que doeu em mim.
“quem não se expõe, acaba se expondo mais”
nunca mais nos falamos. espero que ela jamais leia isso. 
odeio exposição. o que eu posso fazer? 
odeio vitrine.
mas pelo menos eu tinha um bom dinheiro guardado no banco.
e um silêncio enorme acalmando o meu coração. 

(Cinzentos)