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Maestro do Canão: importância do rapper Sabotage para o hip-hop nacional é tema do documentário

Uma década após ser morto, o rapper é tema de filme dirigido por Ivan Vale Ferreira

Luciana Rabassallo Publicado em 22/01/2015, às 15h09 - Atualizado em 28/01/2015, às 17h41

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Sabotage - 5 - Arquivo pessoal
Sabotage - 5 - Arquivo pessoal

Por Luciana Rabassallo

"Você quer saber o que é o rap nacional? Precisa ouvir Sabotage.” A frase marcante de Paulo Miklos faz parte do documentário Sabotage: O Maestro do Canão, longa-metragem que celebra a vida e a obra do rapper, assassinado em 2003. Nesta sexta, 23, e sábado, 24, o Auditório Ibirapuera - Oscar Niemeyer recebe a primeira exibição pública do filme. Um dos maiores nomes do hip-hop nacional, Mauro Mateus dos Santos deixou apenas um disco de estúdio, o seminal Rap É Compromisso!, de 1999.

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“Após anos de trabalho, atingimos um resultado satisfatório e que faz jus ao artista que ele foi”, constata o diretor, Ivan Vale Ferreira. O ponto de partida do projeto é uma entrevista que o cineasta fez com Sabotage em 2002, aproximadamente seis meses antes de o rapper ser morto com quatro tiros após deixar a mulher dele, Dalva da Rocha Viana, no ponto de ônibus. "Eu trabalhava como produtor à época e estava acompanhando as filmagens do documentário Favela no Ar (2007), uma coprodução com dois cineastas europeus. Fomos até o Canão para entrevistar o Sabota", relembra, antes de acrescentar: "Ele estava no auge e era extremamente respeitado".

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Com o material - considerado por muitos um dos melhores registros em vídeo do rapper -, Ferreira decidiu fazer um filme sobre a vida de Maurinho. “Nossa intenção é contar a história dele com o máximo de detalhes que conseguimos desenterrar. Os fãs que acreditam conhecer profundamente o Sabotage ficarão surpresos.” Para ajudá-lo na árdua tarefa de encontrar registros inéditos do músico, o diretor convocou o produtor Denis Feijão.

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“Há pouquíssimo material fílmico do rapper. Esse foi o nosso maior desafio no projeto. Seguimos muitas pistas e acabamos reunindo um verdadeiro dossiê que contém shows, músicas inéditas e cenas de bastidores dos filmes em que ele trabalhou”, conta Feijão. Entre os registros que nunca foram vistos pelo público estão imagens de Sabotagem no documentário São Paulo dos Demônios, de Cláudia Pucci e Paulo Boccato, em que o músico mostra músicas inéditas e faz freestyle acompanhado do amigo e parceiro Celo-X.

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O documentário reúne 30 entrevistas, que são costuradas pelos clipes "Um Bom Lugar" e "Respeito É pra Quem Tem", por cenas em animação, fotos inéditas (algumas delas você pode ver na galeria acima) e imagens de Sabotage em shows e na favela do Canão.

Relembrando as tragédias pessoais do rapper - como a morte da mãe, o assassinato do irmão e a vida no crime -, o filme também arranca boas risadas dos espectadores quando releva que Maurinho era fã incondicional de cantora Sandy e ficou extremante decepcionado quando conheceu Bezerra da Silva. O motivo? O sambista não quis "fumar um" com ele e confessou que "só gostava de uma cachacinha".

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A vida criminal de Sabotage é o tema menos explorado no longa-metragem. A escolha, segundo Ivan Ferreira, foi consciente. "Ele nunca escondeu de ninguém que precisou entrar para o crime na tentativa de sustentar a família dele. Ele e a mulher passavam dificuldades extremas naquela época e não tinham dinheiro nem para comprar fraldas descartáveis para o Wanderson [filho mais velho do músico]." Quando Sabotage optou por deixar a feira livre em que trabalhava para vender drogas na quebrada, Wanderson usava uma camiseta velha entre as pernas. "Perto do talento que ele tinha, essa parte da vida dele é a menos relevante", garante o diretor.

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Pela escassez de fotos da infância e da adolescência do cantor, Feijão e Ferreira convidaram o jornalista e ilustrador Alexandre de Maio para contar a história em forma de animação: “Não há registro dele quando era criança ou adolescente, então usamos esse recurso para cobrir alguns buracos. Para mim, esse é um ponto alto do filme. Gostamos muito do resultado e, em breve, uma HQ chegará às prateleiras".

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O próprio Sabotage teve uma carreira no cinema: atuou em O Invasor, de Beto Brant, e Carandiru, de Hector Babenco. “As pessoas não sabem da importância dele por trás desses filmes. Em Carandiru, por exemplo, ele fez a preparação do elenco, dirigiu algumas cenas e reescreveu o roteiro”, afirma Ferreira. No documentário, há imagens de rapper ensinando nomes como Caio Blat, Wagner Moura e Lázaro Ramos "a andar e falar como os caras lá da favela". Uma das cenas mais memoráveis do filme, em que o personagem de Blat mata os dois homens que estupraram a irmã dele, foi feita com a consultoria de Sabotage.

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"É claro que eu fiquei com um pouco de ciúmes quando ele chegou em casa falando que tinha beijado a bunda de Rita Cadillac", relembra a viúva Dalva ao mencionar o momento de maior destaque do marido nas telonas. A cena, como conta o diretor Hector Babenco no documentário, não estava no roteiro. "Houve um espaço e ele fez aquilo. Não combinamos nada e aquela cena não estava no roteiro. Ele simplesmente fez o que um verdadeiro detento, que não vê uma bunda há anos, faria. Isso é uma prova da forte veia artística que ele tinha."

A importância de Sabotage, não só para o cinema, mas também para a música nacional, pode ser mensurada através da variedade de depoimentos que integram O Maestro do Canão: João Gordo, Paulo Miklos, Aílton Graça, Beto Brant e Andreas Kisser. Além, é claro, da nata do rap nacional: Mano Brown, Helião, DJ Cia, Rappin' Hood, Sandrão, DJ Nuts, Daniel Ganjaman, Rica Amabis e Tejo Damasceno.

Como enfatiza o diretor, o documentário é uma forma de manter o legado de Sabotage vivo e ajudar a família do rapper. “Nós temos um contrato de autorização de uso de imagens e o espólio tem 50% dos lucros que o filme gerar. Infelizmente, ele não teve tempo de deixar a família em uma boa situação. Por isso, estive o tempo todo em contato com o Wanderson Sabotinha, o filho dele.”

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Aos 21 anos, Sabotinha diz ter gostado do resultado de O Maestro do Canão. “Eu aprendi muito sobre o meu pai com esse filme. Ouvi histórias incríveis e engraçadas. Ele era realmente especial”, afirma. No momento, Wanderson está trabalhando ao lado de Tejo Damasceno, Rica Amabis, Daniel Ganjaman e DJ Cia em um disco póstumo de inéditas de Sabotage, com previsão de chegar às lojas no primeiro semestre de 2015.

Sabotage: O Maestro do Canão tem apoio o Itaú Cultural e da Sabesp. No mês de março, o filme entrará em cartaz - com sessões gratuitas - em salas do Espaço Itaú de Cinemas.

Sobre os 15 anos de Rap É Compromisso!

Em comemoração aos 15 anos do lançamento de O Rap É Compromisso!, primeiro e único disco de estúdio do rapper Sabotage, morto em 2003, o registro finalmente chegou às lojas virtuais. Além disso, uma edição especial do álbum está disponível em formato físico. A reedição também trás duas músicas bônus: “Rap é Compromisso” e “Um Bom Lugar” em versão instrumental. Uma caixa comemorativa contendo um boné, a versão especial do disco O Rap É Compromisso! e a biografia Sabotage: Um Bom Lugar está à venda no site do selo LiteraRUA por R$ 129,90.

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Através da plataforma ONErpm, o álbum também entrou nos serviços de streaming online Deezer, Spotify e Rdio. “Chegamos até o catálogo do Sabotage depois de recebermos muitos pedidos dos fãs que usam as plataformas digitais”, conta o Diretor de Marketing da ONErpm, Márcio Cruz, em entrevista ao blog Cultura de Rua.

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“Nós entramos em contato com o Wanderson, também conhecido como Sabotinha, que é filho do músico e o administrador do espólio dele. Tivemos total liberdade para trabalhar no projeto do relançamento”, explica Cruz, antes de acrescentar: “Essa é a maneira que encontramos para fazer com que a família do Sabotage finalmente passe a receber os direitos autorais relacionados à música dele na internet”. “Também foi lançado um canal oficial do rapper no YouTube”, afirma Cruz. “Queremos que o trabalho do Sabotage esteja disponível de forma integral e com boa qualidade para as novas.”

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“A minha carreira não teria sido a mesma sem o trabalho em parceria com Sabotage”, conta Tejo Damasceno, que produziu o disco do rapper. “Foi uma oportunidade única de participar de um disco que fez história”, completa. Segundo Tejo, o processo de gravação de O Rap É Compromisso! foi extremamente confuso: “O disco começou na minha casa e depois foi finalizado em outro lugar. Foi tudo um pouco caótico, desorganizado e demorado. Mas era a única forma de ser feito, estávamos todos aprendendo a produzir e quase não tínhamos custos para trabalhar”.

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“O clima era sempre de descontração. Guardo com muito carinho o sorriso do Sabotage. Ele sempre estava bem-humorado. Mesmo com toda a confusão e o estresse que as gravações nos causavam, era impossível ficar bravo com o cara. Acredito que fizemos um dos maiores discos de rap nacional”, afirma Tejo. "Apesar de ter trabalhado com grande nomes da música nacional, esse projeto é inesquecível."

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Para Gustavo Black Alien, que participa do álbum na clássica “Um Bom Lugar”, as lembranças das gravações são guardadas como muito carinho. “Eu me lembro de tudo como se tivesse acontecido ontem. Eu me lembro até da roupa que eu estava usando no dia da gravação. Eu, de alguma forma, sabia que aquele dia seria diferente dos outros”, conta.

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“O maior destaque do Sabota era o alto astral. Mesmo sem os dois dentes da frente, ele está sempre sorrindo. A inteligência dele também sempre me surpreendia”, recorda o rapper carioca, antes de acrescentar: “Ele também dormia entre as conversas. Estávamos no maior papo e, do nada, ele apagava. Depois de uns 30 minutos ele despertava e continuava falando sobre o mesmo assunto”. A importância de O Rap É Compromisso!, segundo Black Alien, está no fato de o registro não ter sido esquecido. “As pessoas o ouvem diariamente para enfrentar o cotidiano difícil. O disco permanece relevante, fresco e contemporâneo. Ele foi concebido em um momento mágico”, finaliza.

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Sabotage morreu no dia 24 de janeiro de 2003, aos 29 anos de idade, após levar a mulher dele, Maria Dalva da Rocha Viana, ao trabalho. Cantor e compositor nascido em uma favela paulista, compôs muitas músicas de cunho social, falando sobre drogas, violência e criminalidade. Em 2010, Sirlei Menezes da Silva foi condenado a 14 anos de prisão pela morte do rapper. Ele foi considerado culpado pelo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima).

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